29 de julho de 2012

Oitava acima

Entrego-me a um solilóquio
Sou ouvinte de mim mesma
Alterno língua conhecida
Com algum incógnito dialeto 
Ora compreendo minha fala
N´outra nada posso inferir
Eu discurso em grave silêncio
Daqueles que até dá para ouvir
Sou um grito dentro de mim
Orquestra de uma só musicista
Que toca em oitava acima o agudo sentir



28 de julho de 2012

Dualidade

Se descrevo-me na dualidade 
 É por que não sei expressar tudo de mim
Vejo em claro as pontas, o inicio e o fim
Dessa régua cujo meio é densidade
As palavras dão conta da parte
Esse pedaço que vejo a olho nu
Das rebarbas que as bordas transbordam
Tornando impossível não ver ou sentir
E só com lentes precisas e sensíveis
Com meus olhos sutis e imperceptíveis
Hei de ver o que escondo de mim
E de posse do poder que me outorgo
Saberei onde mora o estopim


Engano

O que mais temo é não me reconhecer
Olhar para a história é só ver um embaço
Quero clareza de quem é esse ser
Ver nas sombras um rastro de luz
Ver na luz o escuro do brilho
Saber em pormenores o que sou
E ter coragem para  amar o que me apavora 
Lidar bem com o célere invólucro 
Não vibrar com meus livres enganos
Ver-me nua, gostar do que vejo
Não me abalar com o que o espelho mostra
Com as várias versões de mim mesma
Fazer da passagem algo que valha




Veemente semente

Sim, sou intensa, veemente, forte
Quando me dou nunca é pela metade
Sou tão inteira que até perco o norte
Transpiro o que sinto em vida e verdade

E, também, sou terna, doce e gentil
Da inteireza sei apresentar as partes
Que se misturam de um jeito febril
Quase sempre a ti fazendo alardes

Sim, sou assim, essa ambiguidade
Um pouco de tudo que se funde em mim
Uma semente que pede fertilidade
E tudo o que faz medrar meu jardim

Sou frágil fração de um ser resistente
Que mesmo no árido teima em brotar
Rasga a terra parecendo imprudente
Mas, confia na flor que irá despontar


Reflorescer

Minha alma vagueia distraída
Flutua nas nuvens das paixões 
Perde-se, encontra-se, divaga 
Anseia por um recanto, ficar recolhida
Mas, ela é buliçosa, nada contida
Do pouco faz grande alvoroço
Pingo d´água que se faz turbilhão 
E se deixa ficar intranquila
Remoinha as memórias e sonhos
Seus desejos, suas fomes e sedes
Se faz forte, esconde o que é frágil
Mas, percebe quando é reconhecida
E vexada se fecha em copas
Esperando o reflorescer 


Vapores

Debatendo-me no mar revolto de silêncio e vozes 
Seguro nos cabelos da água poética que me sustenta
Alterno mergulho em apneia e o ar da superfície
Encontro nas palavras o que me mantem lúcida
Lucidez incomum, daquelas com ar de loucura 
Que só é compreendida se desisto da compreensão
É por isso que afundo nas águas da Poiesis
Para aquecer o liquido rico que embebe meu léxico
Fazer o vapor idílico que destila a exuberância
E condensar em versos meus sentimentos tantos


27 de julho de 2012

Esboço

Quero a riqueza das conversas autênticas
A abundância de porquês sem respostas
Algumas pistas, sinais e caminhos
Dispenso a artificialidade que esconde as essências
As futilidades eu deixo nas bordas do que me delicia
Pois é no profundo mergulho que a perenidade habita
O que busco é ser leve sem esquecer o que me importa
Equação bem difícil de a solução encontrar
Pois, minha alma é um vasto alvoroço
Quer voar bem alto mas, também, o abismo visitar
Transitando pelas fendas do meu intenso pensar
Retratando-me e expondo-me num pueril esboço
Que rasuro, rabisco, apago e refaço amiúde
Na persistente tentativa de compreender o que é ser



Emaranhado

Liberta-me da interrogações insistentes
Mas, não as tira de mim totalmente 
Rogo apenas um desafogo, um refugio
Uma breve lacuna no emaranhado inquirir

Excarcera-me das respostas fáceis e breves
Mas, as aceite vez ou outra como verdades
Mesmo que eu as troque frequentemente
A sanidade depende desse acreditar momentâneo 

Abjuga-me das amareladas crenças 
Mas, as deixe em reserva, cuidadas
Para que eu nunca esqueça do que um dia cri
E monte o mosaico inexato do que serei

Desata-me dos infinitos não sei
Mas, não me tires a vontade de saber
Apenas desaperte o laço da incerteza
Para que possa dentro de mim caber


26 de julho de 2012

Olhar

Quando te olho vejo vida em abundância
Mescla inquieta de alegria e dor 
Um lusco-fusco de clareza e confusão
Tudo encoberto por camadas de amor
Quando te olho vejo quase toda a substância
Toco a superfície e sinto o que te é profundo
Mar de almirante e também sedicioso 
É lá onde navega teu barco, nesse intenso mundo
Quando te olho vejo saber e ignorância
Fusão do que sabe com a insistente incerteza
Interrogações eternas e certezas rápidas
E em tudo isso reconheço tua nobreza
Pois, quando te olho, apenas te olho
Julgamento não há em meu peito inflamado
Flui em minhas veias o que foi contemplado
Entra pela janela da alma até o que ainda não foi declarado


Pintura: Rafal Olbinski

Sentinela

Quando a paixão adormece
E sem fervura se manifesta
Um silêncio as palavras ampara
E isso, às vezes, me acontece
Deixo, então, o amor de sentinela
Ele guarda o calor como se fosse um tesouro
Protege as ternas e quentes memórias
Fica em seu posto silencioso e alerta
Dedicado e fiel preserva minha quentura
Impede que se arrefeça o fio que cintila
Aquele que une o que sei com o que é descoberta



17 de julho de 2012

Redemoinho

Tem dia que tanta coisa gira
Redemoinho de emoções
Pensamentos em turbilhão
Retórica em profusão
Uma nuvem negra em suspensão
Uma chuva interna, inundação
Ah! Quanto custa perceber-me?
Um quinhão da minha própria atenção?
Uma cota de compreensão?
Algumas gotas de inquietação
Um poço inteiro de lamentação
Ou um deixa estar que o tempo cuida?


Desenho: Rui Rodrigues de Sousa

desenhosdorui.blogs.sapo.pt

16 de julho de 2012

Colheita

Dá-me a semente da palavra
Plantarei na terra boa da tua alma
Regarei com água de minha fonte secreta
Esperarei silente que brote
Enquanto o sol te aquece por dentro
Repousarei em meus sentidos atentos
Para perceber o romper do chão
O momento exato do nascimento
E ficarei o tempo todo a olhar
Até que apareça a flor
A rara e delicada flor
E daí vou colher poesia em teus olhos



Regência

Vou te levar na flauta
Pois, nossa trilha sonora é uma extraordinária mistura
Tem pop, ópera e o que vem da raiz
Muitas claves na mesma pauta
E mesmo que desafine ou atravesse o samba
Combino as notas em uma só toada
 E se há descompasso, falta de cadência
Invento novos arranjos para nosso concerto
Bem sei que o que importa é o amor
É dele a batuta que rege a essência
Que nos mantém no palco desde nossa estréia





15 de julho de 2012

Névoa

Uma pedra no telhado, cacos no chão
Brilham refletindo algumas parte de mim
Um longo fio de prata alinhava minha história
Partes desconexas de um todo sem fim
Um grito, um sussurro, um olhar calado
Uma busca insana por algum estopim
Algo que por fim a névoa exploda
E revele a flor do meu jardim




14 de julho de 2012

Tabuleiro

Em meu tabuleiro és realeza
Ocupas o mais nobre espaço
E te movimentas com firmeza
Conquistando em mim cada pedaço

Em meu tabuleiro és nobreza
Nada a ti se compara
Quando coroa-me com tua gentileza
Pincelada em tua fala clara

Em meu tabuleiro és certeza
Convicção de um sentir imenso
Que se revela como riqueza
E orienta todo o meu senso


13 de julho de 2012

Tatuagem

Eu deixo marcas minhas em ti
Assim como assinalas as tuas em mim
Indeléveis, fortes, inextinguíveis
Tatuagens sem tinta, cicatrizes de amor
Eu sei e tu sabes a origem e a cor
Mas, aos insensíveis são invisíveis
Aos míopes indistinguíveis
Para ver o que em nós o amor cunhou
Não se pode nublar os olhos no véu da superfície
É preciso agudez de olhar
E de coragem grande se valer
Pois, construímos o que é só nosso
Numa base sólida e fluída
Nos equilibramos no imponderável
Nas confusões de nossas almas fatigadas
E de ardor infinitamente desejosas
Nos lastreamos nos frutos das sutilezas
De nosso intenso e profundo conviver
E assim, em nós imprimimos os signos
Sinais múltiplos e eternos
De uma singular história de amor


9 de julho de 2012

Desabrochar

Gosto quando vejo tua alma orvalhada
Quando fica evidente a intensidade de teu sentir
Quando sem medos, regras ou cuidados
E feito a flor mais bela e delicada
Desabrochas a vida contida em teu ser


Pintura: Vladimir Kush

Epifania

Dias desses tive uma epifania
Entendi que do amor sou refém
E de nada adianta lutar
Então, entrego-me a essa delicada tirania


Sherazade

Escrevo mil e um contos
Sou Sherazade de mim mesma
Preservo e enterneço a vida
Entrelaçando linhas, ligando os pontos
E quando as palavras habitualmente à mão
Se escondem, fogem ou fazem motim
Por sentirem-se inábeis e sem expressão
Não traduzindo tudo o que sinto
Faço da noite um tempo sem fim
Para sonhar que vivo em teu labirinto
Onde me perco para me encontrar em mim


6 de julho de 2012

América em Preto e Branco

De olhos fixos e atônitos
Carregados de alegria e incredulidade
Revelou-se a gota que morosa escorria
Uma lágrima eterna e altaneira
O grito há muito guardado
Quebra o ansioso silêncio
Sons e luzes em explosão
Pintando de branco e negro
A merecida celebração
A orgulhosa e eufórica vitória
De São Jorge conta o Dragão


2 de julho de 2012

Contrapontos

Percebo-me ingênua criança 
Mas, também mulher feita e arisca
Um ponto em meio a tantos contrapontos
Uma teia complexa na simplicidade aparente
Um buraco sem fim coberto com tela
Fina camada que esconde meus inconfessos medos
Se transforma em caminho para meus pés seguros
Que ignoram o perigo, qualquer vão de risco
Vão persistindo na busca do equilíbrio sonhado
Então, confio e sigo na minha corda bamba
Pé ante pé cruzando os fios da minha vida
 Conectando dores, alegrias e sonhos
Tudo o que vejo no espelho velado
Tudo tão vivo, cru e intenso
Que me abraça inteira na dúvida de ontem
E me solta aos poucos no que não sei de mim