31 de março de 2014

Pensamento

Peguei meu pensamento vagando por aí
Lá estava ele entregue a uma fantasia
Dei-lhe o flagra e fui logo dizendo:
Como assim do nada você se desvia?
E ele, rápido e maroto, foi fugindo da minha tirania:
Vai, aproveita minha liberdade e me transforma em poesia


Pintura: Don Shank

Ensopada

Saí por aí e andei
Fui pelas ruas
Sob a chuva
Queria de ti me molhar
Inteira de ti me ensopar
Ficar de felicidade encharcada
E só depois, para casa voltar


Pintura: Nidhi Chanani

30 de março de 2014

Esbarrão

Hoje uma poesia esbarrou em mim
Foi bem de leve, mas me derrubou
Fiquei tonta, caída ali no chão
Esperando que você me estendesse a mão
Doida para lhe puxar e fazer a mim se juntar


Pintura: M Zimmerman

26 de março de 2014

Nas nuvens

Ando tão intensa
Nada muito além do normal
Se é que há normalidade nessas coisas
Mas, há um borbulhar das células
Pele eriçada sem vento frio
Correr fervido do sangue nas veias
Pulsar diferente do coração
Pés no chão que sentem as nuvens
E descobrem onde minha alma está


Pintura: LexiARRIVING


23 de março de 2014

Exclamar

Interrogação, deixes de ser abusada
Pares de entrar sorrateira no final das frases
Que mania de transformar tudo em pergunta
Agora, eu quero mais é exclamar!


Pintura: Warwick Goble


22 de março de 2014

Vinho

Tu és como um bom vinho
Um tinto de tanino marcante
Não chegas a ser raro
Tampouco és comum
És do tipo que se deve bem cuidar
Guardo-te, então, no fundo da adega
Deixo até sobre a garrafa algum pó juntar
Só para ter o prazer de com a mão teu rótulo limpar
Reservo momentos para de novo te degustar
Abro-te com cuidado e deixo respirar
Sirvo-te aos poucos, bebo-te devagar
Bebo-te sabendo que teu sabor não há de se esgotar


21 de março de 2014

Doce de Coco

Eu sou um doce de coco
Mas, apurado com pimenta
Tem boca que sente o açúcar
Outras que só o picante
E poucas descobrem o sabor da mistura


Pintura: James Shepherd

Que cor?

Que cor é essa que tem as flores das paineiras?
Não, não me diga que são rosa ou fúcsia
Essas são outras flores que dão nomes a outras cores


Pintura: Ro Magno

19 de março de 2014

Ficar

Longe, perto
Dentro, fora
Tudo é ficar
Se a alma está onde quer estar
Pousa suave e sutilmente
Aproveita o aconchego do momento


Pintura: Cathy Delanssay

16 de março de 2014

Enroscar

Eu ando por ter pés 
Pés que a gravidade chama
Mas, minha alma, por ser solta, voa
E voa sempre para te encontrar 
Voa para se enroscar na tua


Pintura: Marc Chagall

Perdida

De repente, me achei perdida
 Gostei do que encontrei
Parte de mim mais atrevida
Um jeito meio doida varrida

Pintura: Rafal Olbinski

11 de março de 2014

Caixinha

Guardes-me em tua caixinha mágica
Aquela em que conservas teus encantamentos
Deixes-me lá a salvo das chaturas cotidianas
(Embora contigo as viveria em gozo)
Mas, de vez em quando, abres a caixa
Verdade, verdadeira quero que de lá me tires amiúde
 Senão apago, perco o brilho que ganho ao teu lado
E não danço pra ti minha alegria



9 de março de 2014

Vazia

Se tudo em mim extravasasse
Não sei como seria
Sei apenas que se tudo se fosse
Ainda vazia não ficaria


Pintura: Chris Rywalt

8 de março de 2014

Paralelas

Há uma vida que eu só vivo contigo
E uma vida que tu só vives comigo
Um mundo que é só meu e teu
Lá nossas paralelas se encontram
Lá jamais hesitamos
Lá tudo podemos
Sabemos



5 de março de 2014

Tagarelice

Alguém me disse: falas pouco
Respondi: adapto-me ao interlocutor
Se tu falas, eu te ouço
Mas, se me deixas, bem sei tagarelar


Pintura: Ievlev Boris Alexandrovich

Indefinível

Eu não entendo e tu não entendes
Mas, sentimos e sabemos que é
Que é algo indefinível
Que é grande, imensurável
Que esquenta e nos aquece
Que esfria e nos afasta
Que vai e sempre volta
Que é igual e diferente
Que o tempo todo se transforma


Pintura: Kirsten Bailey

4 de março de 2014

Emoldurada

Um lugar único não é único lugar
Posso estar aqui e em toda parte
Ser vista ou apenas lembrada
O que não quero é viver emoldurada


2 de março de 2014

Encaixes

Gosto quando sou apenas o que sou
Sem máscaras, retoques ou fru-frus
Eu não me maquio para participar da festa
E quando falo não meço as palavras 
Amiúde as deixo saírem sem coleiras por aí
Mas, também sou o que sou quando as pondero
Quando as adapto feito peças de mosaico
Sei cortar-lhes as arestas, arredondá-las
E, também, deixa-las bem pontiagudas
Elas sempre se encaixam em algum canto
Se não eu, alguém haverá de dar conta



Precipício

Eu tenho pressa de ti 
E me precipito em tuas quedas
Sem ar, respiro o vácuo teu
Pulmões plenos de ti, caio devagar
Danço solo no  ar
É quase um voo, um planar sem asas
É uma queda que o chão não alcança


Pintura: Irina Sztukowski