10 de dezembro de 2017

Descompassos


Vou te tirar para dançar
Intuo que aceitarás a mão estendida
Minha mão meio hesitante meio decidida
Que treme toda quando está a te tocar

Vou te tirar para dançar
Sinto que sentirás no meu corpo o frêmito
E que me abraçaras para me acalmar as ânsias 
E dos descompassos nem te importar

Vou te tirar para dançar
Rodopiar contigo num mundo escondido
Num tempo nosso e quiça desmedido
E lá errar os passos sem querer disfarçar

Vou te tirar para dançar
Liberar um pouco das emoções contidas
Não me importar com rodopios incertos
Deixar [um pouco] a vida sair do lugar


Pintura: Max Bohm

13 de outubro de 2017

Chão

Hoje eu quero te desconcentrar
Deixar-te das coisas sem noção
Tirar-te do eixo, rodopiar-te
Sem os pés plantados fazer dos sonhos o chão


Pintura: Brajmohan Arya






30 de agosto de 2017

Corredor

Tenho os meus segredos
Meus cantos escondidos
Assim como tu e as outras gentes
Tenho portas trancadas no fim do longo corredor
Lá vou amiúde na quietude das descobertas
Tem vez que nada descubro
N'outras vejo tantas coisas que nem quero retornar
Mas, retorno por saber que coisas outras há
Assim como há portas que deixo entreabertas 
Convites para atravessar fronteiras
Para outros olhos me verem por dentro
E quem sabe me revelarem um pouco do que sou


Pintura: Vincent van Gogh

14 de agosto de 2017

Dançando no vácuo

No ruidoso silêncio há uma dança sutil
Bailam sem chão 
Flutuam nos pensamentos
Trespassam os sentimentos
Do aperto do peito tentam escapar
Carecem de espaço para se lançar
No vácuo da vida apenas dançar


Pintura: Escher 

24 de julho de 2017

Caldeirão

Quero fazer poção mágica
Misturar ingredientes certos
Alegria, ternura e sonhos
Sorrisos, ventura e cores
Leveza, abraços e beijos
Conversas sem fim e silêncios
Tempo sem tempo de ir
Tudo em caldeirão infinito
Para nunca acabar o encanto


Pintura: Emily Balivet

25 de junho de 2017

Ironia

Fugi para o interior
Pensei que lá protegida estaria
Que lá de mim me esconderia
E o que cansei de ver não mais veria
E com sorte de mim me livraria
Mas que tolo esconderijo se mostraria
Por obra da mais fina ironia
Era exatamente ali que me encontraria


Pintura: Serge Ivanoff

Rosas Guardadas

Vou guardar a rosa
Mas, não apenas essa
Vou guardar todas
Todas as flores que já me destes
E as do tempo futuro
Fazer cama de pétalas
Deitar em aromas de memórias
Dormir, não para descansar o corpo
Sim, para minha’alma te sonhar


Pintura: Gordon Punt

14 de abril de 2017

Perfume

Hoje eu vou passar perfume
Misturar outros aromas aos cheiros meus
Aos já conhecidos por teus sentidos
Quero um olor novo e indistinto
Capaz de atravessar distâncias
E te carregar para dentro de mim







9 de abril de 2017

As penas

Em tão poucas letras pode tanto dizer
Contrição, dor, peso, castigo
Coisas que gente não gosta
E tem leveza, maciez, voo, escrita
Coisas que gente acolhe feliz
Podem ser hoje uma coisa ou outra
Amanhã pode ser diferente
Palavra miúda, tantos significados
Pena de quem se sabe só uma coisa


25 de fevereiro de 2017

Lá e cá

Tu és feito corda bamba
Mas, de um jeito diferente
Nas pontas é que me desequilibras
Nas polaridades que eu perco o passo
Equilibro mesmo é meio do teu lá e cá


14 de fevereiro de 2017

Mergulhos

Encanto é quando em tempos sem tempo
Sem bússola, instrumentos ou cartas
Tu vens e em mim navegas
E te demoras a brincar na superfície
Como se eu fosse mar e convés
Onde tu te deixas em manhãs de preguiça
Em noites pretas de lua escondida
E sem aviso mergulhas bem fundo
Para lá encontrares a minha leveza


Pintura: Pablo Romero

14 de janeiro de 2017

Voejantes

Escrevo agora
Nesse momento de borbulhas
Devo responder às urgências
Sem pressa, mas sem me demorar 
Pode calhar de as palavras fugirem
Elas, por vezes, são ágeis nisso
Escapam pelas frestas do pensar
Escoam e vão dar no mar
Afundar nas profundezas minhas
Lá ficar feito nau perdida
Afogar-se em um silêncio reto
Mas, prefiro que elas ganhem ar
Que voejem por aí, se espalhem
Mesmo que uma ou outra se perca ao voar
Sei que as que de fato importam
 Saberão onde chegar


Pintura: Rowena Murillo

12 de janeiro de 2017

Sacrilégio

Sempre estás comigo
Até quando não estás
Isso é certo e verdadeiro
Mas, sabemos que é estranho
É praticamente um sacrilégio
Como haveremos de servir o vinho
Ouvir o soluço do gargalo
Sentir os cheiros que se misturam
Fazer soar o cristal dos copos
Sem ter junto os nossos corpos?
Podes dizer que se dá para fazer a sós
Em polos distintos estar
Seja sul ou seja norte
E mesmo assim sentir esse estalar
Pode até ser verdade
Mas, tenho sentimento diferente
E cá fico a me perguntar
Que graça isso tem sem o olhar se cruzar?

Pintura: Sylvia Thompson-Dias