30 de abril de 2012

Palhaço

Às vezes, percebo em mim certa melancolia 
Como se tivesse algo suspenso no ar 
Revela-se numa voz plangente 
Como se só houvesse o que se lamentar 
Mostra-se num olhar premente 
Típico de quem custa a acreditar 
Envolve-me num cansaço insistente 
Daqueles que não me deixa aquietar 
Mas, também se exibe como coragem imprudente 
Que pode levar o barco a naufragar 
É como um buraco que me prende 
Mas, não posso com isso acostumar 
Mesmo que saiba que sou polaridade constante 
Um tanto de belo e de melancólico 
Mistura inexata de alegre com triste 
Poeta que fala de amor que transborda 
E também da tristeza que aperta 
Sou como o palhaço que faz rir 
E tem no coração uma lágrima pendente


Vã tentativa


Teu olhar tudo vê 
A sutileza da flor
A aspereza do chão 
O que se oculta na voz
A partícula da dor
O que não se percebe feroz
E quando algo parece de ti escapar
É só caleidoscópio da vida misturando as cores 
Na vã tentativa de te enganar


Longe do fim


Quero livrar-me de um tanto de mim 
Encontrar a chave da tranca maior 
Da arca que guarda minha asa arrancada
Asa que sente saudade dos vôos 
Mergulhos seguros no céu da alma crua 
Lá onde não me perco em vãs fantasias 
E nem fico a esmo, perdida em mim 
Então, peço silente e também aos gritos 
Dá-me a liberdade das ventanias 
E só com uma asa voarei para bem longe do fim


Interrogações

Se tudo que se passa fora de mim ocupa-me
Como hei de perceber-me? 

Se ao olhar para minhas entranhas fujo do que incomoda 
Como hei de melhorar-me? 

Se ao fruir de um momento desloco-me no tempo passado ou futuro 
Como hei de estar presente?

Se do profundo eu me esquivo
Como hei de emergir?

Se quero tudo o quanto vejo
Como hei de me despir?

Se as perguntas em mim cessam
Como, então, hei de seguir?


Compreensão

Amo-te em essência!
Amo-te embora custe-me compreender-te
Mas, compreendo-te totalmente porque amo-te
Amo-te como música!
Amo-te embora não conheça todas as pautas
Mas, solto na voz todo o meu sentimento



Imagem: Michael Maier

27 de abril de 2012

Varanda

Sentar-me-ei em tua varanda
Ficarei ali por um tempo incontável
Observar-te-ei em teus dias
Alimentar-me-ei de tua altiva imagem
Guardarei em segredo tua figura 
Ficarás comigo eternamente
Naquele breve instante
Em que registrares as flores 
Em que caminhares feliz
Quase a flutuar na grama molhada
Quero apenas fruir de teu cotidiano
Ficar um pouco à espreita
E alegrar-me com tua felicidade!


Pintura: Evandra Barreto

Lentes

Fotografes-me, meu amor!
Captures com tuas lentes
Toda luz e toda sombra
As nuances invisíveis
As cores que me traduzem
E também as que me escondem
Inclua até os tons de cinza
Captures tudo que precisares 
O que julgares necessário
 Para aos poucos conheceres
O que há de enigmático em mim
E depois com teu olhar
Que mistura exame e ternura 
Reveles-me



25 de abril de 2012

Peças

Sou quebra-cabeças montado
Fruto de uma imagem pensada
E com os sentidos livres percebida
Sou, também, um mosaico arrevesado 
Peças que desejam encaixes improváveis
Tenho partes espalhadas em dois pontos cardeais
Que dançam ao sabor dos ventos
Que sopram teus diligentes sinais
Vem montar-me como queiras
Partes daqui e, também, de lá
Cries a imagem verdadeira
Para sempre o amor vivenciar


Pintura: Amany Isaac

24 de abril de 2012

Deriva

Porque haveria de me limitar? 
Tenho em mim as vastas águas da emoção 
Os caminhos intrincados da razão 
E as infinitas possibilidades de amar
Mas, se perco a estrela guia ao nas águas navegar
Enlouqueço a bússola nas trilhas do pensar
E estreito a vida num tolo sentir
Como haverei de a vida toda abarcar?
Quero, então, não mais deixar-me à deriva
Dar sentido a meus passos num pensar que liberta
Alargar o meu peito em autêntica entrega 
Sem ter medo da perda do que não possuo


21 de abril de 2012

Visão

Se tu me olhas firmemente 
Vês o raso e o profundo 
Caminhando na linha dos meus dias 
Vês as fraquezas do meu mundo 
As belezas antigas e as tardias 
Vês o que mostro e o que escondo 
Nas horas soltas e nas arredias 
Vês minha força e meus medos 
Nas terras que nunca são vazias 
Vês que sou dura e doce realidade 
Construída muitas vezes em tolas fantasias


16 de abril de 2012

Exata

Da tua divisão eu quero a soma
Juntar frações, desfrutar o todo
Potenciar sentires, os meus e os teus
Multiplicar os dias que nos abraçam
Para resultar em sonho o nosso viver


14 de abril de 2012

Vórtice

És um vórtice, um sorvedouro
Envolve-me inteira e em partes também
Leva-me ao que é profundo
Lá onde só há tu e eu, mais ninguém

És um vórtice, um torvelinho
Agitação sorrateira e estrondosa em vaivém
Que se mostra e se esconde 
E raramente revela-te aquém

És um vórtice, um turbilhão
Por onde passas marcas alguém
Crias teus vínculos, histórias
Dedica-te ao que se mantém

És um vórtice, uma voragem
Consome-te em ti e o que vai mais além
Para seres o que és, é preciso coragem
O que não me falta para seguir-te, amém


13 de abril de 2012

Beijo

Para o beijo não tem dia
Para o beijo, toda hora
Mas, se hoje é o dia
Beija-me sem pressa agora


Normal

Às vezes, eu me perco em mim mesma
Há uma ansiedade, uma pressa de chegar 
Não sei onde e nem porquê
Uma vontade de fazer sabe lá o que
Falta-me decisão, sobra-me confusão

Às vezes, eu me encontro em mim mesma
Então, acomete-me uma segurança incontestável
Sei o tempo e a hora exata de me lançar ao risco
Por os pés no mundo e seguir em frente
Sobra-me decisão, mesmo se houver confusão

Ah! Acho que sou normal!



Honrar

Quero sempre a vida honrar 
Agradecer a tudo que a mim se apresenta
Seja alegria ou desalento
Tristeza ou contentamento

Quero sempre a vida honrar 
Aceitar que vou ainda muito errar
Mesmo que o que intente seja acertar
Que eu saiba, se necessário, me perdoar

Quero sempre a vida honrar 
Aproveitar o tempo sem me apressar
Estar inteira, presente e poder confiar
Que a vida só é plena se eu dos medos me libertar

Quero sempre a vida honrar
Ter pés no chão e mente no ar
Ser capaz de minhas fantasias realizar
E em tempo algum deixar de sonhar


12 de abril de 2012

Santo

Sem que haja explicação
Sem porquês ou sequer porquanto
Fazes bater forte meu coração
Sem contudo, todavia, entretanto
Entrego-me toda à sedução
E vivo cada pedaço de teu encanto
E tonta de amor, quase perco o rumo, a direção
Fico um pouco aí e aqui outro tanto
Embriagando-me de tua deliciosa atenção
Alimentando-me desse sentimento santo


Andejo

Que meus pés sempre me levem
Que sejam sábios em cada passo
E que tropecem vez ou outra
Para que eu não esqueça que sou falível
E que cada erro permita um recomeço

Que meus pés pouco se cansem
Que sejam ágeis e precisos
E que suspendam a caminhada
Para que eu me lembre de respirar
E com renovado ar, siga firme em meu andejar

Que meus pés deixem suas marcas
Que sejam vistas até do além-mar
   E que inspirem outros a seguir
Para que em vão não seja meu persistir
E eu possa mesmo se chorar, rir


Imagem: Michael Maier

11 de abril de 2012

Displicência

Perco-me na tua inocente displicência
É que, às vezes, gosto do que é explicito
Embora me alimente de tuas doces sutilezas
Lambuzo-me nas escancaradas declarações
E respiro aquelas que apenas deixas no ar
Tento ler os vazios que se abrem
E neles mergulho para te encontrar
E feliz desfrutar do teu franco sorriso
Que entrega-me todo o teu intenso amar


Pintura: Margherita Andreoli

10 de abril de 2012

Equilíbrio

Dá-me um pouco de tédio
Mas, só um pouco, nada em exagero
Pois, gosto mesmo é da intensidade
E da tua veemente polaridade

Dá-me um pouco de inquietação
Uma pitada, uma dose ligeira
Pois, também gosto de tardes tranquilas
Quando deixo de lado minhas dores antigas

Dá-me teu amor em farta porção
Não te preocupes com demasias
Pois, em mim há espaço e desejo infinitos
Então, não há meios de fartar-me de ti


Pintura: Jack Vettriano

8 de abril de 2012

Surpreendências

Eu dou passos seguros
Mas, também, tenho vertigem
Vislumbro caminhos abertos
Embora perceba a neblina
Intuo o que vêm depois da curva
Eu paro e me pego à espreita
Confio nos sonhos que tive
E permito-me mudá-los um tanto
É que a vida caminha depressa
Então, careço de novos olhares
 Para desenhar minhas trilhas e planos
Que me apresentam a muitos destinos
Quero provar um pouco de todos
Misturando quimeras e medos
Deixando que as "surpreendências" da vida
Mostrem e me tirem a resposta
Que diz o que há do outro lado da ponte


Imagem: Michael Maier

7 de abril de 2012

Condições

Queres ver meus olhos?
Mostro-te, se contares o que eles dizem
Queres que eu te diga o que sinto?
Falo-te, mas terás que decifrar todo o significado
Queres que eu te siga pela vida?
Sigo-te, mas quero tuas mãos junto às minhas
Queres que confesses meus pecados?
Confesso-te, mas desde que os cometa comigo
Queres que eu me vire pelo avesso?
Viro-me, mas antes quero que me dobres
Queres que eu te dê meu coração?
Isso, não posso pois ele já é teu
Mas, se queres que eu beije tua boca
Isso faço entregue e feliz
Sem mas
Sem talvez

Pintura: Joaquim Sorolla

5 de abril de 2012

Resgate

Onde está o teu áureo sonho?
Estará ele escondido nos afazeres diários?
Ou jaz recolhido na gaiola de ouro?
Será que perdeu-se na curva estrada?
Por acaso o disfarças de pura ilusão?
Enterrando-o no fundo da alma
Pensando que lá ele sossegaria? 
Qual o que!
Por ser sonho ele nunca desiste
E mesmo empoeirado e um tanto rasgado
Fica sempre inquieto, ansioso
Esperando para ser resgatado


Pintura: Vladimir Kush

Inescapável

És da ordem do que é inescapável
És teia que me captura feito presa
És cela que me aprisiona os pensamentos
És baú que guarda muitos mistérios
És algema que me ata a teus desígnios
És buraco que abriga a tua ausência
És imagem que contém os meus sonhos
És cofre que o segredo se perdeu
És celeiro que guarda meu alimento
És redoma que acomoda meu coração 
És beleza que enclausura meu olhar
És gaiola que mesmo aberta não tenciono abandonar


4 de abril de 2012

Plateia

Conte-me o que tu sabes
Aquilo que aprendeste nos livros
E o que a vida te mostrou

Conte-me o que tu sabes
Das estórias da história
E de tudo o que te tocou

Conte-me o que tu sabes
Descrevas o que tua curiosidade encontrou
Brinde-me com teu olhar investigador

Conte-me o que tu sabes
Fales das coisas do céu e da terra
Com a autoridade de quem se fez na dúvida

Conte-me o que tu sabes
Mistures fatos com fantasia
E me encante com teu único narrar

Conte-me o que tu sabes
Ocupe teu lugar na ribalta
E faças de mim tua atenta e eterna plateia


3 de abril de 2012

Vaidade

Onde mora tua vaidade?
Não falo da futilidade desmedida
Nem dos Gregórios pecados
Tampouco do que maculou o Éden
Falo da vaidade inofensiva
Que nem deveria assim se chamar
Pois, não se revela em altivez
E nem namora a soberba
Falo de um ruborizar de alegria
Quando de longe grito te amo
Quando de perto murmuro teu nome
Quando na noite invado teus sonhos
Falo só da explosão de contentamento
De um júbilo quase inocente
Que enche o peito de orgulho
Orgulho do bom e saudável
Que reconhece o que tens de melhor
No recato dos teus sentimentos


2 de abril de 2012

Meus olhos

Quando te pões à minha frente
Quanta beleza atravessa meus olhos
Vejo o que é carne e encanto
E também o que em ti é latente
Testemunho o que transparece
Vejo o mundo que em ti é entretanto
Admiro a tua alma valente
Conhecendo-te aos poucos e tanto


Felina

Sou felina
Gata, leoa, onça, pantera
Ora eu solto estrondoso rugido
E n´outro momento um lânguido miado
Afio as garras para me defender
 Mas, nas carícias me protejo
Vou me esgueirando pela vida 
Cautelosa e aventureira
Farejando o teu voar
Pois o que quero de verdade
É aconchegada em tuas asas ronronar