30 de setembro de 2012

Guardada


Minha alma não queria sofrer
Mas, por um tempo que parecia infindável 
Sofreu o vácuo de não te ter
Sofreu por não ter ainda de ti o conhecer 
E mesmo assim, sem te saber
Ela tinha-te nos planos
Mesmo vagando em meus prazeres mundanos
Ela a ti guardava a porção preciosa
A parte de mim mais generosa
A porção mais cuidadosa
A fração mais corajosa
Aquela que mesmo ainda coalhada de imperfeições se arrisca 
Reveste-se de cores e luzes
Pisa firme nas nuvens
Semeia nas rugas da terra
Colhe flores no céu 
Alegra-se na simplicidade de teu olhar
Contempla o teu infinito espreitar
Admira-te sem te julgar
E assim, fica feliz, não sofre mais
Apenas se perde nesse bonito encontrar

Pintura: Susan Madsen

Assim, tudo

Quando meus dedos tocam teu rosto 
Meus olhos encontram os teus
Minha boca sutilmente resvala na tua
Meu calor se funde ao teu
Meus ouvidos ouvem teu silencio
Minha língua conta a ti meus inconfessáveis segredos
E o relógio pára no segundo eterno
Meus sentidos se confundem
E estranhamente encontram o entendimento pleno
Tudo se mistura
Explode
Implode
Nada se pode conter
Tudo é livre, é fragmento, parte e todo
É assim que sinto
É assim que vivo
E assim te amo
E isso é só
E isso é tudo


Pintura: Susan Madsen

25 de setembro de 2012

Rios

Há dias em que não poetizo
Só o faço quando as palavras surgem líquidas
Gosto quando elas escorrem pelos meandros da alma
Empoçam devagar nas reentrâncias das duras rochas
Aos poucos escoam formando filetes de letras
Que juntas formam fluxos, cursos, torrentes
Verdadeiros rios onde navegam as emoções
Daí vou remando e, também, ficando à deriva
Vou nadando e me deixando levar
Vou mergulhando, procurando o tesouro
Aquele brilho que desejo ter no olhar
Que me permite o amor derramar


Diáfana

Quando te referes ao meu ser complexo
Talvez fique despercebida a simplicidade
Tudo o que transparece meus olhos
Tudo o que as palavras fugazes te contam
É simples, aberto e franco
De ti nada posso ou desejo esconder
Para ti sou vítrea, diáfana, translucida
Embora nem sempre lúcida 
Sou água límpida e fresca no amor que te tenho
Sou terra firme e fértil nos desejos e medos
Sou ar que leva as sementes de sonhos
Sou fogo intenso que a espera não apaga 
Sou madeira que se deixa esculpir 
Sou rocha, seixo, areia
Partícula de um vasto existir


Pintura: Aldo Luongo

Espontâneo

Perdoa-me se te podo o espontâneo
É que, às vezes, acho que o mundo vai acabar agora
E corro ansiosa a ter um pouco de ti comigo
Como se possível fosse gravar o amor num instantâneo

Perdoa-me se me atrapalho, me engano
É que, às vezes, sinto imensa falta do teu vento
Que me desalinha, me despenteia
Mas, me tira do apaziguar insano



Dons

Tens o dom de dar o que a ti é pedido
Mesmo se na superfície o faz
Tira o que falta e preenche os vazios
És o balsamo que alivia o pesar escondido

Tens o dom de elevar o que parece caído
Mesmo que em ti viva confusão e medo
Ofereces teu imenso e genuíno sorriso
Emprestando tua grandeza ao que está diminuído

Tens o dom de abafar o interno ruído
Mesmo que não saibas ou acredites
Silencias o que ensurdece os sentidos
Despertando o que fica no íntimo dormindo


Pintura: Miroslav Yotov

24 de setembro de 2012

Contigo

Quero caminhar contigo
Passos lentos e despreocupados
Mãos juntas, dedos entrelaçados
Como se estivéssemos num filme antigo

Quero me harmonizar contigo
Olhares, gestos e delicadezas
De um jeito que serei eu e tu serás tu
Como se nada a nós oferecesse perigo

Quero me alimentar contigo
Preparar a ceia de nossas vidas
Fartar a mesa com o que nos nutre
Saborear o amor em nosso intimo abrigo

Quero celebrar contigo
Sorrisos, festas e alegrias
Tudo para agradecer
O eterno granar do nosso trigo



22 de setembro de 2012

Espalhar

Às vezes, te distrais de mim
Sei que tens teus tantos assuntos
Temas que insistentes te permeiam 
Que se misturam às belezas de teu jardim

Às vezes, te distrais de nós
Mas, sei que tens tuas tarefas
Arrastar as folhas secas
E encontrar a ponta da linha em teu retrós

Mas, nunca te distraias de ti
Da tua grande grandeza
E de espalhar-te pelo mundo
Enfeitando muitas vidas com teu brilho de rubi


17 de setembro de 2012

Vazão

Tua alma profunda e transitória me entontece
Tens o dom de alternância, de mesclar as estações
És capaz do acolhimento e da distância
Um poço de ternura que estanca sem aviso
Ora ri feito criança, ora na seriedade tem pujança 
Guarda as palavras até que jorras em verdade desconcertante 
Sabes bem que o profundo não é do raso o contrário 
Que é apenas parte de um todo
De um ser rústico e delicado, direto e arredondado
Que me pegas de maneira inquestionável
Tudo o que vem de ti me revolve as entranhas
Emocionas-me de um tanto
De jeito grande e intenso
Que não cabe tudo em mim
Então, vaza pelos olhos




Tecla

Eu vou bater na mescla tecla
Dedilhar a mesma corda
Num pizzicato anunciado
Fazer música da insistência
Recriar o velho tema
Reciclando a mesma nota
Que comporá a sinfonia
Que encherá o ar de sons
Que me cantará tua existência


Seleção

No silêncio das minhas dúvidas 
Perco-me em turbilhão 
Há mais de um caminho, muitas escolhas 
Quero coragem para abrir mão 
Do que me deixa incompleta 
Mas preenche um grande vão 
Tateio no longo caminho 
Ponho os pés em tanto chão 
E flutuo em tanto ar 
Ora levada pela razão 
Ora pelo coração guiada 
Tantas vezes sou verão
N'outras tantas folha seca
Sigo assim na incerteza
Se é preciso seleção
Como hei de escolher o certo
Se toda trilha me dá algo bom
Quisera possível fosse viver a totalidade
Sem distancia ou clandestinidade
Conjugando paz, amor, desejo e serenidade


16 de setembro de 2012

Cicatriz

Diante do atirador de facas
Hei de tirar a venda
Ver a lamina cortar o ar
Perigosamente se aproximar
E sem ao menos piscar
Sentir todo o medo voar
E se alguma vir a me acertar
Que seja só mais uma a marcar
Mesmo que venha a sangrar
Haverei de a cicatriz honrar


Livro

Virar a página?
Qual o que!
Coragem é preciso
Para despetalar o livro


Moldura

Tela infinita
Cores e formas
Liberdade, loucura e paz
Mas há, também, moldura 
Que sem cerimonia mostra os limites
Enquadra, aperta, esconde
Falta de ar, sufoco, engasgo
Convite à transgressão
Pincelar sem direção
Cores sem combinação
Medo, coragem
Arrojo, hesitação
Novos e estranhos tons
Incomuns e ousadas e formas 
Que não dizem nada a ninguém
Apenas nascem e morrem
Dão cor fugidias à paisagem
Que mudam a todo momento
Se prendem e se soltam
Em busca de se livrar do tormento

Pintura: Vladimir Kush

Se...

A vida sempre segue
Se fico remoendo, atraso
Se me apego ao velho, caduco
Se só me lamento, encolho
Se não cuido de mim, apago
Mas, se sou paciente, espero
Se levanto a cabeça, vislumbro
Se aprendo no caos, recrio
Se me abro ao novo, confio 
Se me lanço na vida, existo


15 de setembro de 2012

Chegada

Já que há a ida e a volta
Quero prestar atenção no caminho
Onde há pedras, buracos, desvios
Assim como fontes, regatos, oasis
Aridez e paisagens bucólicas
E até algumas miragens
Cenas que só olhares livres percebem
Quero mais é aproveitar o caminho
Para que valha toda e qualquer chegada



11 de setembro de 2012

Entreatos

Sinto-me num entreatos
Percebo a plateia à espera
E eu, também, aguardo o sinal
Mas, não quero o velho texto decorado
O enredo que sem perceber aceitei
E poucas vezes questionei
E mesmo assim duvidando
Fui ocupando o palco, encenei
Ora com atuações laureadas
Ora uma bela canastrona 
Mas, é tempo de criar novo e próprio roteiro 
Construir novos cenários, vestir outros figurinos
Dispensar o ponto, limpar o fosso, a coxia e o camarim
Preparar a ribalta, suas sombras e luzes
E lá ser atriz e público para mim



Sentido

Mesmo que pareça engano
Assim te percebo e te amo
Mesmo que esse viver pareça insano
Que nada se encaixe ao pueril plano
Que muitas vezes se reflita em dano
Que balance forte meu cotidiano
Tu me fortaleces nesse estado humano
Dá-me sentido entre o sagrado e o profano
Fazes que em mim o amor seja soberano
E dele nunca desista, mesmo que caia o pano


Pintura: Aldo Luongo

10 de setembro de 2012

Primavera


Tu fazes florescer meu jardim
Regas as minhas mudas de mudança
Mostras onde está o que é daninho
Inspira-me a limpar as folhas secas 
Fazes de meus dias ensolaradas primaveras 
Céu azul, aromas, pássaros, abelhas, borboletas 
Polinizando a vida, multiplicando meu amor
Tu te fazes em flores, cores e sons
Tu enfeitas os invernos da minha alma
E me alegras até nas ventanias


Pintura: Claude Monet

9 de setembro de 2012

Quietude

Quero sentar contigo na grande varanda
Lá de onde a nós o horizonte se mostra
E a quietude das tuas flores oferece a tenda
Quero delicadamente recostar-me em teu colo
De olhos fechados ver-te me olhando
Sentir teu calor se unindo ao meu
E o ar que respiro se misturando ao teu
Só isso desejo agora
Sentir-me contigo e em paz
Mesmo que seja breve, fugaz


Confiar

Quero tirar o manto do meu pensar pesado
Libertar meu sentir ora abafado
Livrar-me das ansiedades tantas
Que me impedem de viver plenamente o hoje
Que me prendem a um futuro desejado
Que me envolvem a um querer apegado
Quero perder a ilusão do controle
Ignorar os planos que a mente sozinha faz
Deixar fluir, viver o que ao coração apraz
Confiar no cosmos e assim me deixar guiar


Amarras

Cansei das verdades pasteurizadas
Da coerência artificialmente criada
Do sentir invariavelmente pensado
Do pensar que se crê exato
Cansei  dos rumos tomados
Quero perde-los todos e assim renascer 
Conhecer o que já se mostrou e ainda não vi
Por ignorância ou medo deixei de viver
Quero desacreditar de mim mesma
Tirar as velhas cascas que não reconheço
Mas, bem sei que existem
Lavar minha roupa suja
Talvez queimá-las de vez
Andar nua sem medo do escarnio
Soltar as amarras que eu mesma criei
Ser somente o que devo ser
Mesmo que ainda não saiba o que se há que fazer


Ruínas

Sinto forte admiração pelas ruínas
Fazem-me lembrar da finitude da matéria
Assim como da eternidade da memória
Uma se vai e em restos se transforma
Deixando parcos vestígios do que foi outrora
Mesmo assim capazes de contar história
A outra, ora enevoada ora forte, resiste
Guarda o que importa evocar no agora
Mistura o que foi com o que hoje existe
Abre os portões para nova trajetória



8 de setembro de 2012

Escultural

Observo a pedra bruta
Arestas, pontas, aspereza
Sedimento e erosão
Razão rocha e emoção em flor
Percebo teus entalhes
Os naturais e os que causaram dor
Fico atenta a cada fenda, fresta
Cada marca que acolhe a substância
Que compõe teu complexo ser
E eu, vejo-te muito além da rudeza
Da pedra parcialmente esculpida
Percebo em ti a sutil delicadeza
Que amaina o que erode em ti
Dispenso, então o cinzel
Já és escultural figura
Cheia de verdade e nobreza 
Que a cada dia no tempo se apura




6 de setembro de 2012

Apaziguar

Tudo a minha volta pede o acalmar da mente
Relaxa-te! Assim diz meu coração cansado 
Deixa-me bater sereno e suavemente
Sossega, pois não vivo para ser pensado
Confia no ritmo que é a ti pertinente
Tudo no devido tempo há de ser revelado
Só quando apaziguares poderás ver claramente
E sair desse viver mínimo, apertado
E de ti tornar-te, finalmente, consciente
Daí, então, poderei viver não mais limitado
Pela mente ansiosa que a ti mente 


Pintura: Daehyuk Sim

5 de setembro de 2012

Narciso

O que se explicita não é tudo o que sou
É recorte imperfeito da realidade
Pedaços expostos a meus rasos olhares 
Que só vêem o que reflete o contexto
Sou muitas vezes um Narciso às avessas
Que definha por não gostar do que vê
Mas, há quem se achega com rara coragem
Que acolhe com crueza e abraço
Resgata minha Eco do fundo do lago
Devolve-me o espelho que mesmo partido
Mostra a flor que minha alma plantou
Que precisa de tempo, paciência e amor
Para me revelar a importância do espinho


Pintura: A metamorfose de Narciso - Salvador Dali

4 de setembro de 2012

Fragmentos

Parte de mim confia
Outra se exalta, exaspera 
Parte de mim é pura calma
Outra é alvoroço, tumulto
Parte de mim é suave, flutua
Outra é densa, se arrasta
Parte de mim livre transita
Outra se fecha, em si se prende
Parte de mim quer paz
Outra me pede guerra
Parte de mim é entrega
Outra reluta, resiste
Parte de mim é plenitude 
Outra é escassez, vácuo, vazio
Parte de mim é silencio 
Outra é violento estrondo
Parte de mim tem encaixe perfeito
Outra tem peças soltas e embaralhadas
Parte de mim é sensatez
Outra é desvario, delírio
Parte de mim é maturidade
Outra é fruto verde caído
Parte de mim é encontro
Outra no meu labirinto se perde 
Parte de mim é cuidado
Outra se larga, se deixa
Parte de mim é inteira metade
A outra é toda fragmento


3 de setembro de 2012

Altivez

Gosto da altivez
Mas, não daquela que estufa o peito
Que arrogante faz o empinar do queixo
Aprecio aquela que traz brilho no olhar
Que com naturalidade traduz o reconhecimento
Vestido com o raro equilíbrio entre modéstia e orgulho
Da altivez que inspira novos olhares
A ver com coragem o que está dentro e fora
Que nos ensina ser o que somos
Sem medo de ser grandiosos



2 de setembro de 2012

Mudas

Somos vidas ricas que se juntam
Íntegros e imperfeitos
Criamos nossas trilhas
Revogando a grande máxima
Ignorando velhas leis
Nos descobrindo outra vez
Vamos cruzando as paralelas
E sob a benção do céu prata
Deixamos nossa marca
Numa muda de mudança
Que nos enche de esperança


Mente

Minha mente é uma gaiola
Aprisiona as sensações
Quando quer tudo entender
Embota meus sentires
Se o controle quer tomar
Esconde as chaves do prazer
Quando busca explicações
Mas, ela é, também, preciosa
Quando guarda na memória
Cheiros, vozes, etéreos instantâneos
Registros indeléveis de graças que vivi
Quando aceita docemente
Que de nada vale compreender
Se não encontrar o equilíbrio
Que deixa meu coração feliz bater