27 de novembro de 2012

Braseiro


Compartilho tua loucura
Teus medos insuspeitos
As vozes do teu silêncio
As dores que te gritam: vem
Compartilho tuas distâncias
Teus desejos de vai e vem
Compartilho tua sede
E também tua secura
Que parece terra que sem água racha
Mas, teimosa brota esperança
Mostra a fé desinibida
Nesse ardor que te nutre e te consome
Mas, não te faz cinza, só braseiro 
E só quem tem coragem põe em ti os pés descalços



Gentileza

Língua, livro-te das palavras rudes
Vai, agora que te privei desse infame cárcere
Faz-me sentir-te doce e calorosa
Corte tudo o que não for gentil e preciso
Faz sair da minha boca só a verdade de delicadeza enfeitada


25 de novembro de 2012

Amor

Não acredito em desamar
Acredito em desamor
A ausência de amor
A inexistência, o vácuo
Triste vácuo
Amor é mais que sentimento 
E nele não cabe o tempo
Sentimento, sim, se des-sente
Amor não, amor se transforma
Pode virar pó, poeira, ínfima partícula
Mas, não deixa de existir
De espaço na alma ocupar
Desamar é tentar apagar a chama
É deixar a brasa encoberta de cinza 
Mas, não se despede do amor
Dá-se adeus às sensações
Aquelas que dão frio na barriga
Ou a que na saudade se abriga
E o reencontro do abraço amplia
Amor é mais que emoção
Amor é mais que sentimento
Mesmo que a sensação desvaneça
O amor se é, sempre será
Mas, se o desejo é de eterno arrepio
É possível que isso não se reconheça


Pintura: Joanna Sierko-Filipowska

19 de novembro de 2012

Flores

Quero ser como são as flores
Generosas em essência
Delicadas, sutis, cheias de vida e cores
Sabem que para tudo há tempo
Entregam sua exuberância efêmera 
Para que outras belezas possam ser contempladas 
Deixam morrer suas pétalas para enfeitar as calçadas
Para adornar trajetos, suavizar travessias
Quem me dera ser como são as flores
Aprender com elas a dar passagem à vida
Aceitar a efemeridade como presente divino


Pintura: Pakayla Rae Biehn

Verdade

Eu escolho no que acreditar
E quero acreditar na verdade
Mas, afinal o que é a verdade?
Seria o que dentro de mim vive
Misturado com o que fora de mim transita?
Seria o que ouço e vejo
Revolvido nas confusas entranhas?
Ou a verdade é o que a vida me conta
Nas horas que me desnudo dos meus tantos medos?
Ah! Afinal o que é a verdade?



O melhor


Não vou acinzentar meus sonhos
Quero cores e delicadeza
A verdade com gentileza 
Aceito alguns mimos fora de hora
Como flores com um cartão
Daqueles rápidos, mas transbordantes de amor
Ah! uma visita surpresa no meio da noite
Pequenas loucuras pela paixão inspiradas
Ou simplesmente respostas simples às tolas perguntas
Quero jamais esquecer o que me importa
Sempre dançar mesmo que erre o passo
Sempre cantar sem temer desafinar
Quero sussurrar e me fazer escutar
Para confirmar o que já sei:
A vida dá o que eu mereço
E minha alma merece o melhor


Pintura: Vladimir Kush

Gris

Há um gris que emoldura meu rosto
Pequenos leitos em torno dos olhos
Uma coluna que serpenteia atrevida
E uma criança que não abandona seu posto

A existência vestindo esse corpo
É tão efêmera, breve e intensa
Que para caber no correr desses dias
É preciso e urgente saber-me inteira

E nesse tempo que passa gritando
Ouço o silencio dos anos vindouros
A quietude que a alma carece
Para entender quem está no comando


Pintura: Ed Org

18 de novembro de 2012

Lufada

Tu és um vento que me esfria a barriga
Que quando vem forte me desarruma os cabelos
 E além dos fios me embaraça as idéias
Às vezes, é tal o teu impeto que me bambeias as pernas
Mas, quando és brisa me refresca a alma
E deixa na pele gostoso arrepio
Tu és assim, inconstante lufada
Tu és assim, ar em movimento
Que enche de vida o meu respirar


Pintura: Belostotsky Artiom

17 de novembro de 2012

Entusiasmo

Tu não me entusiasmas
Fazes muito mais que isso
Tu me ajudas a encontrar-me dentro de mim
A desnudar-me das vestes da ignorância
E não temer a nudez do que não sei
A desocupar-me dos medos sem sentido
E a compreender os que cabimento tem
Seguras minha mão, mesmo à distancia
E me acompanhas nas travessias
Encoraja-me a de mim nunca desistir
Até quando me encolho por não saber expandir
Tu me mostras como aceitar minhas mazelas
E a ser humilde ao reconhecer o oposto delas
Tu me incentivas a flutuar
Quando minha mente insiste em só no chão pisar
E assim, me deixo entusiasmar



15 de novembro de 2012

Horizontes

Quero dar-te um mundo de sonhos
E também chão para que plantes teus pés 
E assim, meio nuvem, meio terra
Vou levar-te comigo neste instante
Visitar contigo o outro lado do mundo
Alcançar horizontes distantes
E assim, numa prudente inconsequencia
Quero te ter no meu agora
Para viver tudo o que em nosso peito mora


Pintura: Vladimir Kush

14 de novembro de 2012

Ventania

Vem ventar em mim
Vem ser brisa, ventania, furacão
Vem movimentar meus ares
Vem me arejar com tua emoção

Pintura: Van Gogh

Autonomia

Parte de mim quer crescer
Queima, arde de tanto querer
Verdadeira vontade de florescer
Que se debate desde meu amanhecer
Com a quase indomável fração que deseja encolher

Parte de mim quer autonomia
Luta, guerreia noite e dia
Constrói com zelo minha biografia
Mas, ela tem inseparável companhia
A porção que tem da infância sonhada imensa nostalgia

E outra parte, que parece ver tudo de fora
Sabe que é preciso equilíbrio sem demora
Entende que das partes sou meu todo
Então, espera atenta, anseia a hora
De ver a criança feliz e a adulta que só de alegria chora


Pintura: Veronika Priehodova

13 de novembro de 2012

Cuidados

Quero-te o bem em exagero
Não é que não o mereças
O contrário disso é verdadeiro
Pois, teu ser me tem valia
E se peco pelo excesso
É por que desejo o bem a ti 
E na ânsia de bem te ver
Atropelo o teu processo
Então, deixo aqui minha escusa
E a promessa de cuidado
A que peço não dê recusa
Pois, estarei sempre a teu lado



Estrada

Derrapagens, colisões, capotagens
Amarelos, vermelhos, cruzamentos fechados
Nas vias da vida há bom tanto de atropelos
Mas, prefiro me ater às estradas de belas paisagens


12 de novembro de 2012

Alternância

Hoje o sol escondeu seu esplendor
Recolheu-se quietinho feito águia no ninho
Então, as nuvens copiosamente choram
Clamam que ele volte, nos dê seu calor
Mas, ele sabio que é se mantem encoberto
Sabe que a chuva não apaga o seu brilho 
E que a alternância nos é muito importante
Dá, então, para as águas seu espaço no tempo



11 de novembro de 2012

Iguaria

Eu tenho porções de meiguice
Mas, eu as uso com parcimônia
Vou temperando a vida com várias especiarias
Um pitada de seriedade e outra de tolice
Uma dose firmeza e outra de delicadeza
Uma parte de azedo e, também, de doce cortesia
Vou confeitando a vida com açúcar, mas sem demasia
Quero criar a perfeita receita
A iguaria certa para te dar alegria


Direito

Adoro receber as tuas flores
Sim, as dá para mim, mas ainda são tuas
Assim é por que a ti pertenço
Portanto, o que a mim chega é teu por direito


Maestria

Há tantas maestrias nesse nosso mundo
Mas, há um dom que é só teu
É esse jeito único de te fazer quase intocável
Mesmo quando mostras do teu mar o fundo

Há tantas maestrias nesse nosso mundo
Mas, há um dom que é só meu
É essa minha ansiosa persistência
Que sempre rega a flor do nosso amor fecundo


Mulheres

Vejo pés que firmes pisam a terra
Sinto um arar de vontades
Um semear de esperanças
Mulheres fortes pela paz em guerra

Uma luta cujas armas são belas
São palavras e internos olhares 
São ações que buscam compreensão 
Fortes, frágeis, poderosas, singelas

Percebo a coragem vestida de saia
Que no girar do barrado protege a vida
Que incansável segue em busca do bem
E enfrenta o destino sem ficar de tocaia



9 de novembro de 2012

Clareira

Na noite da alma também tem céu claro
Uso a lanterna mágica da minha criança
Crio facho azul com algodão salpicado
Resgato a parte de mim que traz paz e amparo
Que ilumina o caminho que acolhe meus passos
E me leva à clareira onde te reencontro



6 de novembro de 2012

Curvas


Escolho caminho com curvas
Quero espantar a mesmice
É certo que, por vezes, bambeio
Mesmo assim o sinuoso prefiro

Pintura: David Hettinger

Esteio

Sem teu esteio, estio
Seco de um secar rachado
Fico com a alma árida
Feito vela sem pavio



5 de novembro de 2012

Fada

Segue teu caminho, meu amor!
Ainda que não saibas o destino
Ainda que hesite em teus passos
Ainda que bifurque os teus atos
Ainda que tropeces em tuas emoções confusas
Ainda que a estrada te pareça errada
Ainda que as escolhas sejam tantas
Ainda que tua alma viva desassossegue
Segue teu caminho, meu amor
Segue que te acompanho mesmo a distância
Segue que te cuido feito fada


Merecimento

Faz de conta que nada mais te aflige
Que aí dentro tudo se acalma
Que o que é duvida se esclarece
Que as emoções te são sempre gratas
Que tudo em ti enche-te de paz e alegria
Que as doideiras dessa vida só te fazem rir
Que tuas dores são carícias
Que o que te oprime acaba de te libertar
Que as culpas são lindas flores 
Faz de conta que agora é tempo de ser feliz
E agora, saias da fantasia, deixes o faz de conta
Simplesmente porque a vida é dádiva
E ser feliz é teu merecimento


Pintura: Giovanni Segantini

4 de novembro de 2012

Espreita

Fico à espreita, olho de soslaio
Espero um vacilo, pequena distração
Da arredia imagem que aparece refletida
Paciente, aguardarei o momento oportuno
O repentino, fugaz instante da revelação
Para, então, dar o flagrante 
E saber o que o espelho vê


Tonteio

Sem ti meu passos ficam curtos
Eu não sei para onde ir
Giro em torno do que sei
Tonteio, meu olhos ficam turvos

Pintura: Carlos Oviedo

3 de novembro de 2012

Tanto

Há tanto a te dizer
Tanto que até me embaraço
Tanto que não há como medir
Tanto que só cabe num abraço


Foto: Ricardo Costa

2 de novembro de 2012

Cessão

Desisto, cedo, largo
Abro mão das explicações
Quero viver em paz, sem embargo
Entregar-me sem medo às emoções

Pintura: Michael Maier