30 de março de 2012

A seda e a juta

Equilibras masculino e feminino
És mistura quase exata
Mas as porções pouco se mesclam
No pender das partes na balança
Revelas a delicada Vênus
Irrompendo como o valente Marte
Guerreias em resoluta ação
Embora pareças se aninhar
E no viver dos teus dias
Cria a trama da rude gentileza
 Vale-te dos firmes fios da juta 
Para tecer a tua seda
E ponto a ponto coser o teu manto
Que te cobriras de entendimento



27 de março de 2012

Caleidoscópio

Gires como se eu fosse um caleidoscópio
Mistures as partículas e descubras minhas cores
Procures minhas partes para me ver inteira
Das imagens que formares embaralhes novamente
Apresentes a mim o que gravar em tua retina
Mostres como vês o infinito do meu ser
E no espelho dos teus olhos reveles minha sina


26 de março de 2012

Atada

Contigo estou comprometida 
E para isso, a tradução não se tem no dicionário 
Sem deveres vivo o amor em máxima medida 
Pois, contigo há que se ter algo revolucionário 

Contigo estou compromissada 
Tens a palavra dita e escrita 
E minha alma determinada
Em silêncio o teu nome grita

Contigo estou atada
Mas, não há corda ou corrente
Há apenas sutil e intensa liga
Que torna nosso amor discreto e evidente


20 de março de 2012

Armações

Nas armações lógicas da minha mente
Nos firmes galhos do pensamento
Entre as frescas folhas das emoções
Teço a invisível teia que me protege
Nela me acomodo e me alimento
Mas, se alerta fico em demasia
Só reconheço o que me parece ameaça
Perco a visão do que me contempla
Assim a certeza me desorienta
Quero, então, desconstruir 
E com a mesma sutil matéria 
Erigir a morada que enreda e acolhe
Experimentar a força que contrai e expande
Abrir a janela que expõe e esconde
Escolher entre o que aprisiona ou liberta 


Acordei

Acordei para a vida!
Novamente!

Eu sempre acordo!
E meus olhos ora atentos
Captam o que passou ao vento
E piscam lentos propositadamente
Querem deixar algo para ver depois
Eles sabem que sempre poderão revisitar
E no novo espiar, ver o que não viu
Ou ver o mesmo de jeito diferente!
Eu quero isso mesmo:
Sempre acordar para a vida
Dar prendas aos olhos da minha alma
Regalos para ela, feliz, brincar!


18 de março de 2012

Acesso

Eu quero dar passos alinhados aos teus
Fazer o meu caminho e perceber o teu
Fruir de mil paisagens, sons, cores e sabores
Molhar os pés no mar e na montanha serenar
Casar nossas vontades e separar temores
Andar de mãos dadas como expressão de liberdade
E soltar-te por aí nas veredas da confiança
Eu quero esvaziar e preencher
Experimentar o teu oco e o teu cheio
Eu quero que me vires e revires
Que reconheças meu avesso
E me presenteies com teu esteio
Pois já te dei a chave do particular acesso


17 de março de 2012

Mensagem

Escrevi mensagem
Na botelha protegi 
Dei às águas para te entregar 
Esperei, esperei, esperei
Distrai-me com tantas ondas
Contei estrelas nas noites fundas
Deixei o vento me abduzir
Chorei saudades do que não vi
Esperei, esperei, esperei
Na maré minhas palavras enroladas
Embotelhadas a te procurar
Esperei, esperei, esperei
Aventurei-me pela ilha
Segui pegadas e abri trilhas
Acampei aqui e ali
Mas da mensagem não esqueci
Pois destinada estava a ti
E meu resgate de ti viria
Eu sempre soube que um dia me leria
Minhas entrelinhas conheceria
E que finalmente eu de ti seria


Ungida

Eu te amo de um jeito escorregadio
Mas, não porque quero de ti escapar
Essa não é possível conjetura
Escorrego mesmo é nessa rampa sem fim
Deslizo nas reentrâncias da tua rocha
E feito gota escorro entre as pétalas de tua flor
Eu te amo desse jeito escorregadio
Para livre transitar na tua superfície 
E suavemente mergulhar em teu profundo
Misturando bocadinhos de exageros
Azeitando as engrenagens desse amor fecundo
Ungindo e abençoando cada novo início


14 de março de 2012

Amanheci-me

Amanheci-me
Assim como nasce o dia 
E na luz e no movimento se revela 
Amanheci-me 
Na calma brisa da manhã de fora 
Minha ventania se rebelou 
Na toada dos conhecidos sons 
Meu inquieto silêncio se misturou 
Pássaro longe, buzinas, cães 
Um farfalhar que a pergunta faz 
E me acorda para o que a vida traz 
Entre tantos velhos e novos mas 
As condições para viver em paz 
Então, amanheci-me uma outra vez 
Para fazer meu anoitecer


13 de março de 2012

Fuga

Eu fujo um pouco do mundo
Eu deixo o que é árido
E na tua chuva me molho
Preencho a cisterna

Tu foges um pouco do mundo
Deixando a secura e ausência de vida
Aconchegando em meus braços
Tua alma que vibra

Fugimos do hedonista culpado
Para ele não temos conversa
Merecemos a vida abundante
E amar-nos felizes, sem pensar em pecado


Arte Digital: Alexey-Kashpersky

Intensa

Da vida não quero respingos
Eu desejo as enxurradas
Da vida eu não quero fagulhas
Eu me entrego às labaredas
Da vida eu não quero vapores
Eu prefiro as consistências 
Da vida eu não quero o que é tépido
Sempre me atraem os extremos
Da intensa vida não hei de abrir mão


Acaso

Se por acaso evaporasses
Eu viraria nuvem para contigo me misturar
Se por acaso desaguasses
Eu viraria leito para que em mim busques teu mar
Se por acaso sem chão ficasses
Eu viraria rede para te sustentar
Se por acaso esfaimasses
Eu viraria o teu melhor manjar
Se por acaso te trancasses
Eu viraria chave para te libertar
Se por acaso inflamasses
Ah! Se isso acontecesse em nada me transformaria
Eu apenas me deixaria em teu amor queimar


Pintura: Vladimir Kush

11 de março de 2012

Matéria

Às vezes, as palavras fogem
Ficam ali fazendo de conta que nada querem de mim
Mas, eu que sou teimosa fico a espreita
Logo uma se distrai e na minha teia cai
Vai se misturar com outras que guardei por precaução
Pois, não posso correr riscos de faltar-me o recurso
Matéria rara e de valor com que declaro meu amor


Agulhas e Linhas

Nessa costura de muitas linhas
Alinhavo os meus saberes
Pesponto as incertezas
Faço um bordado lá e cá
Cirzo o que está roto 
Com as agulhas da ilusão
Embainho o que está solto
Descosturo a solidão
Vou cosendo as minhas vestes
Nas  muitas cores da emoção


Pintura: Costureira - Djanira

Anjo Torto

Vem meu anjo torto

Vem voando me endireitar
Junte tua solitária asa à minha
Ganhemos os ares
Vivamos os mundos
Deixemos pra trás o que não vive
Contigo quero vida em abundância
Quero sonhos e anseios
Dúvidas inteiras e certezas passageiras
Pé no chão e nuvens rosas
Quero a fome insaciável 
Da tua alma contraditória



10 de março de 2012

Timoneira

O que reverbera em minha alma?
Há uma fome de compreensão
Um desejo inominado
E que se mostra insaciável
É tanto apego e desapego
Tanta posse e liberdade
Dependência auto-suficiente
Irreverência inventada
Seriedade escudo
Que barco é esse que me conduz na tormenta?
Que estrela seguirá o hábil marinheiro?
O que o farol na costa guarda de mim?
E nessas altas ondas sinto a turbulência que causa a busca do profundo
Agarro-me ao leme, aprumo, busco rumo
E vejo no horizonte uma mistura indistinta de nuvens negras e céu azul
No convés da minha história percebo a estrela guia
Sou marinheira e navio
Tempestade e calmaria
Timão e timoneira
Pirata de mim mesma



5 de março de 2012

Aventura

Viver contigo é grande aventura
Há caminhos abertos, floridos 
Paisagens que encantam os sentidos
Mas, também há precipícios de grande altura

Viver contigo é entrega inteira
Impossível dar só uma parte
Mesmo em tempos onde não há escolha
És minha opção de qualquer maneira

Viver contigo é a agitar a mesmice
É conter o que é incontido
E transitar rumo ao desconhecido
 É profundo mesmo na superfície


Cárcere Imaginário

A gaiola está aberta
Voa meu pássaro
Porque hás de prender-te às escolhas
Se vida plena está sempre em oferta?

Liberta-te do cárcere imaginário
Caminhas na estrada incerta
Faz picadas para encontrar teu destino
Segue a trilha do que é visionário

Aproxima-te do que por vezes dá medo
Nada pode ser tão perigoso
Quanto a contrição que impede a vontade 
E faz viver um amor em degredo


4 de março de 2012

Saudade

Saudade...
Não tem tempo para saudade
Viro as costas e ela já chega
Faço a curva e ela se apruma
Vem se cravando feito punhal
Rasga a seda, corta a carne
Invade a alma sem piedade
Põe o juízo no esconderijo
Confundindo minha razão
Aperta, sangra, desconcerta
Saqueia a paz e me estremece
E dramática que sou
Faço um gesto impetuoso
Com a mão alcanço a lâmina
Arranco e abro o coração
E para saudade digo séria
Vá, volte e me alimenta
Sei que sempre a sentirei
Mas, sei também e é seguro
que de ti não morrerei




3 de março de 2012

Calada

Há momentos em que tudo jorra
Sem controle ou medida se espalha
Como a água que escapa do dique rompido
Como o fogo que se alastra na mata invernal
Como vento sem cerimonia que varre as ruas
Como o grito que irrompe a noite escura
Há momentos que simplesmente tudo se estanca
Aquieta de um jeito esquisito, meio alarmante
E sem ar, me afogo numa represa de emoções
Chamusco na chama da tardia razão
Sufoco no vácuo das minhas vãs certezas
E me calo diante do incompreensível


Pintura: Bastida Bacante - Joaquim Sorolla

Exaltada

Poderia paz viver se tenho a alma exaltada?
Quem seria eu se me faltasse a intensidade?
Haveria uma receita para sangrar esse ardor?
Qual verbo calaria o que em mim é veemente?
Qual nada, é disso que sou feita:
De entranhas incandescentes
De furor intempestivo
De doçura intermitente
De braveza recorrente
De palavra e quietude
De amor à flor da pele


2 de março de 2012

Coração Atarantado

Meu coração foi pego de chofre
Estava parado, um tanto descuidado
E foi dando bobeira que topou com o teu
De imediato caiu encantado
Bateu forte, ligeiro e parou um segundo
E quase sem ar ficou descompassado
E arisco me disse: vai para outro lado
Há tempos reclamava que estava cansado
Respondi veemente: vive esse amor profundo
E ele obediente se rendeu e vive, então, apaixonado
Disposto a ir com o teu até o fim do mundo
Mesmo quando parece confuso, atarantado



1 de março de 2012

Esboçar

Esboço a ti sorriso
Algo que demonstre o que ora sinto
Pode parecer nos lábios apenas um risco
Mas, sabes ler minha alma e instinto

Rascunho a ti um desenho
Algo que ilustre o que ora penso
E mesmo que pareça abstrato
Compreenderás o que em mim está denso

Escrevo a ti poesia
Palavras que traduzem o que ora vejo
E até sem as lentes para miopia
Tudo se revela em intenso desejo


Pintura: Gustav Klimt, "Floating female nude", 1885