Maré

Eu digo que tens vais e vens

Mas, me dei conta das minhas ondas 

Desse meu bater manso na areia

Do voltar para as profundezas

Das espumas que faço com coisa pouca

Das minhas águas que lavam velhas mágoas

Dos tsunamis em copo d’agua

Da aparente calmaria 

Da ressaca que molha as palavras

Da maré que me baixa os olhos

É, eu também tenho vais e vens

Pintura: Julia Watts Coleman

Iguaçu

Em seus meandros, tranquilo ele seguia

E, de repente, o rio encontrou ar

Faltou-lhe chão e, então, se derramou

A gravidade do alto o fez se jogar

E foi, por entre a rochas, foi se esparramando

Em suas próprias águas mergulhando
Em si mesmo eternamente se misturando

Almas miúdas

Gosto do que expande minha alma

De ter por perto gente com sede de vida

Que vai muito além do esperado

Que atravessa imaginárias fronteiras

E transgride a ordem sem medo do novo

Gosto de quem se permite girar fora do eixo

Passam-me ao largo as almas miúdas
E das inquietas eu me aproximo

Voo

Às vezes, eu voo, viro pássaro por aí
Fico curiosa, quero ver as nuvens de perto
Olhar do alto a vida correndo por aqui
Ouvir o silêncio de todos sons
Voo sem medo do que pode vir
N´outras pouso em cantos escondidos

Faço ninho no escurinho
Fico lá quieta, encolhida
Daí, lembro que tenho asas
Voo

Dicionário

Até ontem comigo eu falava latim

Demorou, mas agora me traduzi
Percebi, então, que outras línguas também falo
Haja paciência para consultar-me no dicionário

Simples assim

Para mim eu disse sim

Mas, isso nem de longe é não para ti

É apenas sim para mim
Assim, simples assim

Encorajei

Desapeguei do que não mais queria

E mesmo não querendo, largar temia

Abri mão do que foi bom, mas agora me feria

Deixei para trás o que não mais servia

Abandonei o que em meu coração já não fervia

Sai da toca que criei e lá me prendia

Encorajei a viver sem o que me angustia

Pintura: Shoshanna Lightsmith

Guarda-chuva

Chuva, abençoada chuva

Trouxe ar leve e frescor

Bom ver a rua molhada

Gente envolta em guarda-chuva e cor

Pintura: Lisa Aerts

Nudez

Sim, para mim, tu és mistério

Se só te penso, não te entendo

Se só te olho, não te vejo

Se só te ouço, não te escuto

Mas, se te sinto, contemplo a nudez

Então, te tornas compreendido mistério

E percebo que esse tu também sou eu

Pintura: Paul Delvaux

Quiça

Estou aqui, mas também estou lá

Lá, na verdade, é todo lugar

É dentro e fora, chão e ar

É estar só comigo e contigo, quiça

Pintuta: Duy Huynh

Fotografia

Quero eternizar o que está lá fora

Capturar no ar os pingos das nuvens

A terra se benzendo de chuva

O zig do zag da folha que cai

As asas abertas do pássaro em voo

Um pedaço de azul se abrindo no cinza

Os passos apressados de quem não quer se molhar

 Na janela postar-me como que a espreitar

Um cenário surgido naquele segundo

Como se assim a beleza eu pudesse guardar

Pintura: Salvador Dali

Infindo

O que aconteceu?

Eu canto ou talvez conto

Foi coisa de deixar qualquer um tonto

E com a palavra não querer confronto
Eu só sei que ficou pronto

Mas, no final não tinha ponto

Pintura: Pierre Bonnard

Segredo

Das coisas que faço em segredo

Só tu poderias lembrar

Não que me testemunhaste

Mas, tu sabes me adivinhar

Pintura: Leah Saulnier

Aportar

Volta e meia remo em tuas águas

Em dias de calma e silêncio fico à deriva

Recolho os remos e me deixo levar

Qualquer hora aporto n'outro lugar

Pintura: Duy Huynh

Tropeço

Tropecei no equilíbrio da tua expressão

De repente me percebo no chão

Esparramada e com teu giz marcada

E lá fico meio flutuando, meio estatelada

Pintura: Duy Huynh

Zeus

No Monte Olimpo não fico sentada

Meu Zeus mora em Marte

Pouco sei ficar parada

Vou transitando entre os planetas

Mudando os deuses de lugar