31 de dezembro de 2014

Novelos

Criamos novelos de prosas cortadas
Deixados num cesto no canto da alma
Fios emaranhados na trama dos dias
Esperam silentes que deles lembremos
Que componham as vestes de nossas histórias


Pintura: Felix Hemme

30 de dezembro de 2014

Bailarina

De súbito saí dançando por aí
De um jeito que nem os pés no chão senti
E de brisa inteira me vesti
Dei rodopios, mas não entonteci
Mesmo assim, de amores eu caí
E num giro lento a ser bailarina me consenti
Foi assim que tu me ensinaste a dançar em mim


Pintura: Jo Jo La Rue

28 de dezembro de 2014

Sala de Espera

Hoje tive um devaneio
Imagem fluida que se postou em mim
 Assim do nada me veio
Não bateu palmas, nem avisou
Foi como um sonho
 Mas sei, acordada eu estava
Talvez um delírio, uma visagem rápida
Déjà vu de coisa ainda não vivida
Da sala de espera de mim


Pintura: Pooneh Jafari Nejad

Extática

De repente, fiquei extática
Foi quando tu atravessavas a rua
Ordinário, mas especial evento
Ali parada assisti teus passos
Vinhas em bonita distração
Era mais desfile que travessia
Era pintura que de moldura prescinde
Era tu quando chegavas a mim


Pintura: Wendy Hudman

Imaginada

Em minhas fantasias fui criada
Gosto de me saber assim
Desse jeito meio inventado
Sou fruto de profundos desejos 
Algumas vontades confessas
Outras que nem em murmúrios te conto
Talvez, por não sabê-las inteiras
Por ainda, contorná-las, pintá-las
Por não ter a imagem finalizada
Mas, sou assim, como tu, eles, elas
Sou imaginada


Pintura: Valeriya Kutsan

19 de dezembro de 2014

Braille

De repente, esqueci como é teu rosto
Ficou só um contorno indistinto
Forma sem traços exatos
Mas, estranhamente precisos
Foi como se te lesse em Braille 
Te visse na ponta dos dedos da minha memória


Pntura:Steven McKenzie

18 de dezembro de 2014

Onde

O mundo é grande 
Por mais que me espalhe
Que por aí circule
É em ti que me encontro
E me perco também



Imã

Há em ti uma força que me atrai
Algo incontestavelmente natural
Como um poderoso imã emocional 
Algo que de todo o resto me distrai


Pintura: Rassouli

17 de dezembro de 2014

Estado

Mesmo depois de incontáveis abraços
De amiúde quase fundir-me em ti
Descobri que em verdade nunca te abracei
Por que abraçar-te seria mero ato
Quando te abraço, é mais, muito mais que ato
É isso, quando te abraço, não te abraço
Quanto te abraço, estou em abraço
Abraçar-te, em essência, é condição, estado


Pintura: Joseph Kunstmann

14 de dezembro de 2014

Transitória

Transitória circulo
Feito Mercúrio
Planeta, metal ou mito
Espalho, recolho
Em voo, aprofundo


Pintura: Salvador Dali

Poente

Tu és um poente insistente
Tudo é tarde, quase noite
Lusco-fusco das minhas compreensões
Crepusculares e incertas emoções
Tudo transitório e passageiro
Tudo perfeitamente infindável
Amanhã de novo tu te pões


Pintura: Elizabeth Moore Golding

Língua

Dou-te a acidez da minha língua
Palavras quentes, sem dourar
Bem a teu gosto
Sei que gosta das verdades cruas
Ditas sem frescura, mas com doçura
E, às vezes, do meu corpo nu
E da avidez da minha língua na tua



9 de dezembro de 2014

Monstros e Fadas

Decidi deixar-te
Deixar-te livre para querer-me
Mesmo que não possas ou porventura não queiras
(um dia, sem pressa - quem sabe - haverás de querer)
Eu te permito (e mais que isso, peço) a promessa
E valha, eu sempre creio nelas
Então, podes guardar as folhas do tal livro favorito
Páginas amareladas dobrando-se ao vento
Insistentes, sempre voltando ao mesmo capítulo
Aquele da história entrecortada
História que sempre pode ser revisitada
Histórias sem principes, princesas
Mas com monstros, fadas
Sempre de outras formas recontadas



Asinhas

Ponho as asinhas de fora
Quem sabe elas batem e me tiram daqui
Daqui desse lugar velho conhecido
Lugar cheio de não quero mais
Grotão que guarda velharias inúteis
É um canto distante que vejo daqui
Vejo de longe com olhos nublados
Tudo claro e difuso
Tudo nítido e velado
Tudo falso e verdade
Tudo o que quero ver
Vejo até não mais querer
Vejo, mesmo sem querer


Pintura: Kim Roberti

Fim ou começo

De tanto sentir, não sinto
De repente, amorteço
Para o resto, adormeço
Perco-me no labirinto que conheço 
Nem sei mais o que é fim ou começo
Nem sei mais se há fim ou começo



4 de dezembro de 2014

Partícula

Não importa onde eu esteja
Se a palmo ou anos-luz 
Haverá de ter uma partícula
Particular e indivisível parte
Que te encontrará no universo
Que me transformará em verso
Que te eternizará em mim


Pintura: Rassouli

25 de novembro de 2014

Parabólico

Tens um sentir parabólico
Captante de sentires vastos
Teus e tantos
Viajante, itinerante
 Central e cósmico
Transcendental
 A ti, vital


Pintura: Cedar Lee

23 de novembro de 2014

Perpetuar

Tem horas que quero casar
N'outras que só comigo acasalar
De mim mesma engravidar
Mas, ai de mim sem ti me perpetuar


Pintura: Gloriana Hernandez

Moinhos

Por ti eu me aventuro
Percorro tuas estradas
Cavalgo teus campos
Adentro tuas florestas
Enfrento teus moinhos
Posso ser o que quiseres
Sancho de inteiros pés no chão
 Quixote, fantasia e eternos porque não


Pintura: Álvaro Suárez Vértiz

18 de novembro de 2014

Juízo

Perdi o juízo
Deixei cair ali na esquina 
Percebi, mas não fiz conta
Nem pra trás me pus a olhar
Deixe-o lá na sarjeta
Meio bêbado, borracho
Cambaleante atrás de mim
Mas, dele eu tirei férias
Fui viajar no meu sentir
Quando voltar o reencontro
Mas, ainda não sei se o quererei



17 de novembro de 2014

Criação

Tu me criaste poetisa 
Agora, sou escrava de teu invento
Versos me perseguem noite e dia
Rimas sorrateiras me ocupam
Palavras usam roupas sedutoras
Tudo o que vejo e ouço assim se veste
A mim, só resta despir-me em poesia
E desfilar a nudez do meu sentir


Pintura: Dimitri Kozma

16 de novembro de 2014

Versos continuados

A gente é feito poesia 
Versos livres e continuados
Com rimas raras e imperfeitas
Criando estrofes irregulares
Só cabem no nosso tempo desritmado
Nos nossos encontros e reencontros


Pintura: Beverly Ash Gilbert

O Ciúme do Flamboyant ou Infidelidade II

Deparei-me com um Flamboyant ciumento
Ele não me via, mas eu atenta o ouvia
Ao Resedá lindamente florido ele dizia
Você soube que aos outros ela fez poesia?
E a nós, nada, nem um verso, daí minha agonia
Então, escondi-me atrás de sua gigante melancolia
Era tão grande que até a minha vergonha cabia
Como pude deles esquecer? 
Parece até ironia


Pintura: Estela Robles Galiano

13 de novembro de 2014

Espiralados

Seguia a ti em fluxos espiralados
Como numa escada de edifício antigo
Desses do centro da cidade, beges escurecidos
De pantográficas portas que se abrem
De tempos outros que ainda existem
Seguia-te como a teus contos
Teus personagens sombrios e sãos





Manoel e o Céu

Hoje o céu chora, molha a face da Terra
Choro copioso, do tipo soluçado
Mas, é pranto de contentamento incontido
Não é lástima, lamento, vagido
É coisa de coração preenchido
Coisa de quem recebe visita longínqua
Alegria de quem revê velho amigo
E diz de braços abertos e inteiro sorriso
Pode entrar, Manoel, és meu querido


Caricatura: Fernando Romeiro

11 de novembro de 2014

Na tua beira

Quando a tristeza vem sorrateira 
Querendo me dar rasteira 
Eu me coloco junto a tua beira
E daí, de novo, fico inteira




9 de novembro de 2014

Infidelidade

Sim, eu sou infiel
Eu juro amor eterno
Mas, as belezas me seduzem
Apaixono-me a cada estação
No outono me entrego às Paineiras
Fico perdida de amor
Depois, aos poucos o ar se esfria
E, volúvel, aos Ipês os meus olhos dou
Mas, furtivamente, para as Cerejeiras eu pisco
Esqueço que logo a primavera chega
E vem com ela a sedução do Jacarandá
Sou inteira desse lilás mimoso 
Até que se amarelem as ruas
Quando a Sibipiruna me arrebata de vez
Eu acredito que agora é para sempre
Para sempre até a outra estação.



7 de novembro de 2014

Bordas

De-me um bom pedaço da sua linha
Essa que usa para alinhavar seus sonhos
Quero me entrelaçar nela
E depois, com a sua agulha de bordar
 Entregar-me às bordas do seu tecido
Bordas feitas de fios de muitos fins
E que infinita, não economiza começos


Pintura:  Linda Apple

6 de novembro de 2014

Dançando

Eu abraço os teus sentidos
O silêncio morno com que me presenteias
E tu me envolves do teu jeito
Jeito único como se fosse o único jeito
Vem a música que só nós ouvimos
A ela, silentes, nos entregamos
Apenas assistimos nossas almas dançando 


Pintura: Vadik Suljakov

5 de novembro de 2014

Fome

Adoro mexer com essa parte tua
Esse lado que se atreve a viver no inseguro
Que sem medo vai comigo até a lua
Que não se importa se é claro ou escuro
Que tem receios e mesmo assim não recua
Que come o fruto sem saber se está maduro
Que sente a fome que claramente se insinua
Fome de presente travestido de futuro


Pintura: Jian Chong Min

4 de novembro de 2014

Olhos

    Ah!!! Esses meus olhos de te ver
    Que dão jeito ao meu sonhar-te
    Que me faz ver-te  em muitas formas
    E sonhar-te como quero
    Ver-te em tuas marcas
    Na pele que lhes dá guarida
    Na tua cor que me esmaece
    Quando teus olhos me reconhecem



26 de outubro de 2014

Folhear

Eu não sou um livro aberto
Minha capa não me mostra inteira
Apenas sugere o que dentro está
Mas, acredite sou fácil de folhear
Fica à vontade para ler minhas páginas
Porém, me escrevo misturando línguas
Talvez, se perca entre as palavras
Porém, com alguma história haverá de ficar
Peço atenção às folhas brancas
Essas assim deixo, sem pautas ou margens
São para que ao me ler, tu possas me completar


Pintura: Andreea Alexandra Stela Juduc

24 de outubro de 2014

Letras, sinais

O que a vida me escreve vale cada letra
Até as que não sei decifrar
Aquelas que podem ser nada e tudo
Que podem pouco ou muito significar
Traduzir não é sempre que dá
Tem letra sozinha que o verbo quer encontrar
Tem verbo que pede para se desacompanhar
E outros, sem vergonha, querem se misturar
Tem  palavra, virgula, tem tantos sinais
E tem os pontos, que torço, não sejam finais.



Onde me deixo voar

Tu te enraizaste em mim
Chegou semente trazida no vento
Sei lá de onde veio, mas me encontrou no caminho
Chamou chuva para a aridez da minha terra
E em mim se deixou germinar
Germinada rompeu-se, rompeu-me 
Foi virando árvore abraçando meu céu
E fixando as raízes onde me deixo voar



11 de outubro de 2014

Polifonia

A tua música costura meus ritmos
É como se invisível linha fosse
Que me alinhava em teus compassos
E assim danço, me largo, me solto
Vou conhecendo instrumentos teus
Teclas, cordas, tudo o que te repercute
Mas, desafino nos teus intervalos
Nas tuas pausas, nos teus silêncios
Então compreendo que tudo é música
E sempre me afino em tua harmonia polifônica


Pintura: Marcia Davis

9 de outubro de 2014

Dissolver

Eu me dissolvo em amores
Mas, de forma alguma me misturo
É assim, eu me diluo para manter a inteireza
E, por mais estranho que possa parecer
Sou toda tua sem a ninguém pertencer


Pintura: Jennifer Allison

8 de outubro de 2014

Bastidor

Na delicadeza do bastidor
Eu te percebo inteira delicadeza
Detrás do teu palco tu a mim te revelas
Cortinas fechadas, plateia vazia
Neste cenário tu me enche de cenas
E eu te assisto, simplesmente, te sinto


Aconteceu

Fica em mim a memória do abraço
Da minha pele coberta com o cheiro teu
Do olhar molhado da emoção que me acometeu
Da hesitação que naturalmente se deu
Mas, que a saudade não antes percebida venceu
Deixou nossos rostos tão próximos 
Tão próximos que o beijo simplesmente aconteceu
E do beijo, o amor outra vez nos envolveu


Pintura: Egon Schiele


3 de outubro de 2014

Via

Eu escolhi o caminho do amor
Ainda que me perca em outras esquinas
Que as ilusões apresentem sedutoras paisagens
Que me deixe entrar nos becos da raiva
Que tropece nos buracos da incompreensão
Que me esconda atrás dos muros do medo
Que me desviem as tantas paixões
É na via do amor que eu sigo
Para ela eu sempre retorno
Retorno quando meu imo eu sinto


Pintura: Warren Keating

2 de outubro de 2014

Longo

Podes até achar exagero 
Algo das minhas intensidades
Que pode ser efemeridade
Fogo de palha, coisa breve, fugaz
Mas, garanto-te agora e nos amanhãs também
Penso-te em meus minutos todos
Sinto-te no varar do ar
Quero-te com se fosses toda a vida
E vivo mesmo é no abraço longo teu


Pintura: Diana Moses Botkin

1 de outubro de 2014

O lado de fora de mim

Fico aqui deste lado
Deste lado de fora de mim
Onde tem mesa, cadeira, flor
Tem chão, parede, teto, porta e a janela
E eu dentro que olho por ela
Gente caminhando na calçada
E, também, gente que fica parada
Tem uma musica que vem lá da sala
Campainha que toca, telefone que canta
Avião que passeia no céu
Tem água que escorre no meio fio
Chuva pouca que mal molha o jardim
Um silêncio meu que não dá para ouvir
E eu sei o que ele diz
Diz que te quer bem perto de mim


Pintura: Stephanie Clair

Calo-te

Tem vezes que eu te calo
Acho que é quando demais falo
O que há de se fazer?
Gosto de dar-te palavras
As dou até quando também me calo


Pintura: Gabriel T. Toro

30 de setembro de 2014

29 de setembro de 2014

Saber

Quero saber de ti
De teus passos e compassos
Das músicas que tem ouvido
Das danças que tem bailado
Dos lugares por onde tem passado
Das coisas que te atraem o olhar
Das flores que não colhes para vê-las em seus lugares
Quero saber sobre as sementes que tem plantado
E do que a terra tem te oferecido
Quero sentir um pouco dos teus sentidos


Pintura: Dhananjay Mukherjee


Desocupada

De repente o mundo lá fora se aquieta e me desocupa
 Vozes, carros, vento, pássaro em pleno voo
Tudo de súbito pára, inesperadamente tudo cessa
Desocupada das coisas que existem, existo


Pintura:Ferdinand Hodler

25 de setembro de 2014

Contornos

Os meus contornos tem muitos pontos
Uns próximos, outros distantes
Ora são cheios, ora tracejados
Vez ou outra, são pontilhados
Mas, se ligam de todo o modo
Brincam de formar inconstantes formas
Aproximam-se e distanciam-se
Se fecham sem prévio aviso
Fazem da curva uma linha reta
Ou das retas infinitas curvas


Desenho: Peter Inglis

21 de setembro de 2014

Tempestade de Areia

Dentro de mim, ventania
Inexplicadas coisas, inexplicáveis
Tempestade de areia
Epifania


Pintura: Marian Lishman



20 de setembro de 2014

Um lugar

Tem um lugar meio escondido
Entre o que não sei e o que penso conhecer
Lá no meio de mim, onde me perco e me acho
Lugar que fica entre o dormir e o despertar
Um lugar hiato, um lugar fresta
Como se fosse uma porta aberta


Pintura: John Armstrong

19 de setembro de 2014

Bigode

Ele tinha um bigode
Tão grande que lhe escondia o sorriso
Mas, é certo que estava lá
Pois, foi homem sem deixar de ser menino
Tinha alma musical e sonhadora
Olhos que amiúde vagueavam
 Quando olhava para dentro
No horizonte se perdia






17 de setembro de 2014

Metabolismo

Tu te apercebes
Eu te metabolizo
Sinto-te fluindo, passando
Passeando por toda a entranha


Pintura: Leonid Afremov