31 de maio de 2012

Buraco

Há um buraco na alma
Um fenda profunda 
Um espaço, um vácuo
Uma falta de ar
Incomoda, embaraça
Até me faz tropeçar
É ruim, mas também bom
Pois, me faz procurar
A matéria ou o éter
Que fechará a abertura 
Para que logo em seguida
Num insuspeito lugar
Eu vá outra criar
Eu preciso da falta
Careço da fome
Que me instigue à procura
Um impulso, uma coceira
Que me faz caminhar
E nunca deixar de sonhar


Círculo

Vou me entranhar nos raios do círculo infinito
Com eles tecerei a rede que me susterá
E quero tudo pronto, mas ainda inacabado
Pois ao fim nada deverá ficar restrito
Mesmo que o susto, a dor e o medo se mostrem
Tão fugazes serão que mal os sentirei
Estarei a fiar a lã que aquece o inesperado
Por que sou capaz do amor declarado
E mais do que hábil, sou feita de teima
Se entro no círculo é porque sei girar.


Herança

Vem, dá-me teu sorriso
Sem pressa e sem medo
Não importa a falta que sentes
O vazio que herdaste
O que vale é o tempo agora
O que foi se preenche no eterno
Infindável é o amor que em ti mora
Que alimenta o que em mim ainda é terno


Feitiço

Derrete meu iceberg em teu caldeirão
Sempre renova o feitiço que me faz cativa
Empodera-te agora do teu condão
Dá-me a ordem do beijo, sem alternativa
Eu me entrego inteira, em plena efusão
Quero a tua fervura, jamais banho-maria 
Então, enfeitiça-me agora sem ilusão





30 de maio de 2012

Inconstância

Viver é inconstância 
O que é quente no tempo esfria
Do gelo pode chegar-se à fervura
Aquilo que aquece se há descuido, queima
A breve paz nos prepara a tormenta
E a tempestade lava a calçada da vida
Leva embora o que já não nos pertence
[Ah! essa crença de que algo possuímos]

Viver é inconstância
O que sentimos se apresenta em ondas
É aqui, agora e também a memória
É fogaréu de instante eterno
Consome o tino e depois assossega 
Vira fumaça que confunde os olhos
Que ardem tristes com medo do fim
[Ah! essa crença de que tudo se acaba]

Viver é inconstância
É confiar sem ter segurança
É ser alegre sabendo ser triste
É ser feliz no instante presente
É sonhar o futuro vivendo o hoje
É não ter o controle da roda que gira
E ao mesmo tempo girar ao contrário
[Ah! essa crença de que existe o fixo ]


Desvelada

Eu quero me mostrar a ti
Descortinar, escancarar, tirar meu véu 
Significar o que digo sem palavras
Quando faço perguntas com meu olhar
Deixar que entres em meu falar sem medos
E revelar o que está no escuro
Convidar-te a visitar meu imo e misturar-te um pouco lá
Quero que toque suavemente minha alma
Ao repousar-te sem tempo no meu corpo
Por um infinito instante esquecer o que nos inquieta
Acolhendo os contrastes do exagerado sentir
Deixar que leias o que guardo em páginas 
E também o que transformo em notas que já povoaram o ar
Ar que ainda carrega os odores dos sonhos nossos
E de tão intensos se deixam fotografar
Assim vou amar-te sempre e além do possível 
Pois tenho guardado o teu toque em mim
E desejo o que descobriste mesmo antes que eu o sentisse
Quero mexer na rotina, bagunçar os meus dias
Ser inteira, oca, cheia, vazia, vento
E na liberdade ser de ti e ter-te em mim
Sem me preocupar se o hoje é hoje ou amanhã.


Brasa

As inquietações são feito brasa
Quando intensa, incandesce a alma
Depois aquieta e se mistura às cinzas
Parece extinta, mas se um vento sopra
Ressurge aos poucos queimando o íntimo
E se palhas secas dela se achegam
Cria-se o fogo que inflama o ventre
Consome, devora o que parecia alivio 
Mas, também transforma, renova o velho
E ilumina os possíveis caminhos
Que levam à beleza escondida nas chamas 
E que dá sentido à nossa existência.


Confissão

Quem não tem segredos?
Coisas que só a nós confessamos
Que guardamos nas gavetas d´alma
Escondidos bem lá no fundo.
Podem ser desejos contidos
Pensamentos que nos enrubescem
Um tolo deslize que nos perturba.
Mas, também, pode ser mero recolhimento
Tímidas palavras que preferem o silêncio
Ou que gritam pedindo o cárcere
E ainda, há os que os olhos não vêem
Voluntários se escondem de nós
Como a proteger o que parece insano


28 de maio de 2012

Onírica

Quero o sono dos encantos
Aquele que me brinda com lindos sonhos
Desvarios a mim concedidos
Idílicos momentos dentro de mim
Quero a onírica vigília 
Onde caminho pelas nuvens
Danço incansável em tuas águas
Mesmo mantendo-me no chão


27 de maio de 2012

Águas

Acalma-te meu mar
Dá-me um pouco de marolas
Deixa-me a tona retornar
Ceda-me uma breve folga de teu tempestuar
É certo que gosto das tuas gigantes ondas
Do impeto teu quando me abarcas
E da voracidade dos teus afluxos
Pois, tenho arrojo de em ti mergulhar
Mas, ora quero apenas sentar-me nas areias
Sentir tuas calmas e mornas águas a me acariciar
Deixar corpo e alma entregues e quietos
E num longo instante contigo me deleitar


Pintura: Joaquim Sorolla

25 de maio de 2012

Retalhos


Juntando retalhos de loucura e lucidez
Pedacinhos de exageros da paixão
Adicionados a bocados de amor contido
Intrincados alinhavos dos sentires vários
Que transitam no tempo das emoções erráticas
Vamos tecendo a colcha de um extraordinário encontro
Preenchendo a alma com certeza e sonhos
Que estranhamente se amalgamam soltos

Pintura: Neneca Barbosa

24 de maio de 2012

Plumas

Revestirei com plumas as pontas do meu açoite
Do que me servirá punir as imperfeições,
Para sem pena castigar minha alma,
E transformar meus dias em negra noite?
Quero mesmo é me libertar das culpas
Dizer adeus ao que me aflige o imo
Acariciar silente o meu coração
Cuidar do que importa e viver a paz
Sim, revestirei com plumas as pontas do meu açoite
E o guardarei comigo para afagar as dúvidas
As incertezas tantas desse existir fugaz 


21 de maio de 2012

Brisa e Tempestade

Às vezes a brisa é leve
Mas, há também a tempestade
Quando aragem é carinho puro
Traz frescor e plenitude
Refresca minhas ansiedades
Desperta o melhor em mim
Faz-me sentir nas águas flanar
Mas, o sabor dos fortes ventos
Verga os mastros da minha nau
Quase arrebenta minhas velas
Chego a temer naufragar
Então mergulho em minhas águas
Vou lá no fundo procurar
O que ancora minha vida
Para a meu eixo retornar


20 de maio de 2012

Caminho

Sim, eu quero estar com você
Sem pensar em até quando
Sem querer viver o ontem
Sem fazer do hoje um clichê

Sim, eu quero estar com você
Mesmo as suas confusões considerando
E seu vai e vem ensimesmado 
Da benção do que sinto fico a mercê

Sim, eu quero estar com você
Seguir o amor alimentando
Ver o brilho dos seus olhos
Como se fosse criança levada à matinê

Sim, estou com você!
Com meu coração admirando
As miragens da sua estrada
O caminho reto e curvo da busca do porquê


18 de maio de 2012

Tomas-me

Sempre que quiseres ver tua luz
Tomas emprestados meus olhos
Pois, eu te vejo além das sombras
Reconheço-te em essência
Sinto tuas fomes e tuas sedes
Percebo tuas ansiedades não reveladas
E os medos que tentas conter
Quando a vaidade não quer ser controlada
E se tua alma profunda se sentir por ti sufocada
Tomas-me toda emprestada 
Deixo-te além dos olhos
Meus sentidos de amor embebidos


17 de maio de 2012

Entrega

Entrego-me a ti, mas não só pouco do meu corpo
Dou-te o todo feito de incertezas e de paz inquieta
E na minha boca poderás me encontrar inteira
E é tua a primazia das minhas mãos afetuosas 
Do vazio farei alimento que mantem a existência
Vou ignorar medos, desarranjos e o que afasta
E faço isso por saber de tuas mãos postas
Segurando-as, seguirei na trilha que me mostras
Ampliarei os limites do que vejo e darei a ti meus olhos
Adentrarei em teu reino solene em meu cavalo negro
E na passagem repentina misturarei sem regras o que está separado
Darei sustento ao corpo e à alma
Deixando a razão não me escravizar
Para apenas sentir o que se apresentar
Mas, calarei as vozes para te falar mais alto
E mesmo que pareça sem sentido
A ti declamarei minha vida


Imagem: Janaína Miranda

15 de maio de 2012

Regenerar


Envolva-me com tuas palavras
Absorva-me com teu olhar 
Contenha-me nas despedidas
E não me deixe nunca ir
Para que possa sempre me devorar
Consumir-me inteira e bem devagar
Todo dia hei de me regenerar


Elementos

Minhas raízes são flutuantes
Pois, não me basta só o que vem da terra
Careço da fluidez da água
Da leveza do ar que se mostra vento
Do lume incessante que me ilumina a alma
Dos elementos todos que se tornam unos
Eu me alimento onde brota vida
Lá onde se mistura ilusão e pé no chão
Onde tudo é possível, mesmo que me digam não


13 de maio de 2012

Redoma

Vivemos, tu e eu, em nosso universo particular
Lá guardo numa redoma meu mais apaixonado olhar
E deixo cativas minhas palavras de poder
Aquelas que só a ti permito tradução
No nosso mundo único escolhemos por os pés no chão
Pois, lá nos é dada a liberdade de sonhar


9 de maio de 2012

Primaveras

Que ninguém conte às primaveras que o outono chegou 
Se elas querem enfeitar nossos dias que deixemos 
Pois não existe tempo certo para fruir da beleza 
Tampouco hora e lugar exatos para viver o amor 
Que nossos olhos aspirem à cor 
E nossas almas nunca se acostumem à dor





8 de maio de 2012

Inunda-me

Sim, eu sei um pouco de ti
Sei que te entregas ao amor
Ao amor completo e complexo
Ao que não deixa dúvidas
E também desequilibra
Sei que te entregas em verdade
Que sentes em totalidade
Até mesmo quando evapora
E sobe aos céus e vira nuvem
Se espalha e se concentra
Deixando rasgo de sol e azul
Que presenciam tua chuva
Teu derramar intenso
Que me inunda de emoção 


5 de maio de 2012

Saborear

Quero saborear a vida 
Então deixo que o amor me coma
Ora mordiscando pequenos pedaços de mim
Ora me abocanhando com faminta mordida
Às vezes, deixo que ele me sorva
Mas, só quando líquida e lânguida estou
Daí ele pode me beber inteira
Degustando cada gota da minha entrega
E o amor me come e me bebe
Mas, é minha fome e minha sede que é saciada


Pintura: Jack Vettriano

4 de maio de 2012

Quimeras

Um só sonho não me bastaria
Gosto de variedade imagística
De mundos iluminados
Com sombras só para refrescar
Quero sonhar um mundo hoje
E ver novas possibilidades amanhã
Quero colocar-me a serviço do sonho
Sem cegar-me para o que vem de ventos futuros
Eu não quero utopias embaladas
Digo não ao celofane, laços e fitas
Quero fantasia bruta e realizada
Desejo dar espaço para as surpresas
Para não viver uma vida premeditada
 E acreditar em realizáveis quimeras 


Pintura: Vladimir Kush

3 de maio de 2012

Holografia

Vejo uma holografia de mim 
Um ser virtual que trafega na vida
Um ente que mostra algumas partes seletas
Extrato imperfeito de tudo o que sou
Partes dispersas que procuram seu todo
E um todo zeloso por sua reserva
Projeta a fração que é forte, potente
Esconde o que é frágil, mas que se vê inquebrável 


Casada

Ah! Vivo um irreversível e intenso caso de amor
Pertenço às palavras e as tenho cativas
Com elas realizo meus sonhos 
E também "onirizo" meu mundo real
Para que livre eu seja de toda prisão
Das masmorras do ego que se pensa o tal
E do calabouço que é só querer ter razão
Eu me casei com elas, pois, posso a mim ser sempre leal
E como num conto de fadas viver feliz para sempre com essa união


Pintura: André Martins de Barros

Conversas

Eu gosto das conversas sem destino
Que nos levam a lugares mágicos
Onde as certezas não tem importância
E as dúvidas alimentam a alma
Tenho imenso apreço pelas divagações
Pelas ideias que surgem livres e temporárias
Daquelas que pertencem a um reino encantado
Que não se restringem a seguir as leis da sensatez
E não se preocupam em ser definitivas
Que se deixam levar pelo vento, voando alto, soltas
E no ar se misturam aos sim, não, mas e, sobretudo, ao talvez!


2 de maio de 2012

Sinais

Ponto e vírgula 
Esse intermediário entre o final e a esperança
Um descanso, uma folga entre o parar e o ir
Um separar e juntar pousados na mesma balança
Eu simpatizo com a decisão dos pontos finais
E com os dois pontos que me convidam à dança
Com as exclamações tenho uma paixão quase carnal
Mesmo tendo com as reticências uma antiga aliança
Mas, não isso consiste em traição, pois de todos sou, afinal!


Gratidão

Às vezes, tudo se traduz em dor e confusão
O que um dia fez sentido se transforma em ilusão
Escolhas, sonhos e saberes parecem se perder na razão
E tudo se mistura em dolorosa emoção
Restando em alguns momentos somente a tensão
Porém, a vida nos é palco para rever o que antes era explicação
Carecemos de coragem, força e afeição
Para lidar com os revezes que nos afligem o coração
E contar com quem nos ama para amenizar a aflição
Acreditando que é possível tirar as dores com a mão
Para poder olhar a vida com amor e gratidão


1 de maio de 2012

Viagem


Preciso de muito tempo para ser
Então, vou viajando por aí
Sigo a bussola da vontade
Para que eu possa ser em muitas partes
Lugares dentro e fora de mim
Vou vendo tudo pela janela 
Do meu ônibus particular
Carrego uma mala vazia 
Para preencher com o que eu encontrar
E em outra eu levo minha velha teoria
De que sempre há o para trás deixar
Vou curtindo os solavancos
Que fazem minha alma acordar
E de parada em parada
Vou descobrindo um mundo a revelar


Mistérios

Quero alcançar tuas palavras
Compreender o que dizes nas entrelinhas
Conhecer o avesso de tuas letras
E o destino da tua eloquência
Quero esmiuçar o que escreves
Saber um tanto da tua essência
E guardar teus mistérios em minha alma!