30 de setembro de 2013

Resposta

Se me perguntas como estou
Respondo em versos quebradiços:
Ando meio perdida, meio achada
Meio exibida, meio acanhada
Caminhando num fio de equilíbrio 
Indo e voltando pra me certificar das dúvidas 
Sorvendo a vida em grandes goles sem medo de engasgar 
Dormindo além do que habituo para sonhar um pouco mais
Acordando bem devagarinho por não ter pressa de partir


Pintura: Diane Churchill

Fronteiras

Quero cruzar tuas fronteiras
Não, não intento dominar teu território
Quero apenas caminhar em teu solo
Esgueirar-me por tuas ruas estreitas
Percorrer tuas descidas e ladeiras
Postar-me em teus miradouros
Reconhecer o que teus olhos veem
Ah! Ainda quero embriagar-me em tuas bodegas
Curar a ressaca nadando em teus rios
E já recomposta, adentrar tuas florestas
Displicentemente, perder-me em tuas picadas
Só para (me) encontrar (em) tuas clareiras
Depois, aventurar-me em planícies e vales
Descobrir tuas escondidas cavernas
Conhecer histórias gravadas em pedras
Quem sabe assim compreender teus contornos
O que te leva a tantas idas e retornos


29 de setembro de 2013

Colóquios

Há dias que não estou pra conversa
Não que me desagrade o que outros falam
(embora, o vozerio, quando vazio, logo me canse)
É que nessas horas, as vozes internas pedem inteira atenção
É certo que, às vezes, elas sabem ser bem agudas
Mostram coisas que vejo, mas finjo não ver
Dão-me pitos, passam descomposturas
Argutas, perspicazes acertam o alvo do âmago
Então, me permito a esses silenciosos colóquios
Eles me ajudam a melhor prosear com o mundo


Pintura: 'The Dance of the Inner Voice' - Encaustic Wax Painting, by Natalie Dekel

27 de setembro de 2013

Laço

Do que serve querer pegar o amor a laço?
Logo ele que no aperto se desfaz
Amor quer mesmo é abraço solto 
Aquele que de prender é incapaz
Que envolve e sabe dar espaço
Que acolhe e se aconchega só querendo paz
Vive inteiro sem querer do outro nenhum pedaço
Apenas vive, por se saber de amar capaz


Pintura: Arden Ellen Nixon

26 de setembro de 2013

Escancarada

Avisto um trânsito de gente encasacada
Roupa pesada combinando com a cara
Passos duros ornando com a pressa impensada
Como se preciso fosse criar barricada
Qual nada, a vida se abre é pra quem se escancara


Pintura: Jane Dierberger

25 de setembro de 2013

Joalheira

És uma espécie de garimpeira
Mesmo em pobres terras encontras o precioso
Encontras por ter aprendido a olhar além
Encontras por abrigar alma que jamais se satisfaz
Encontras por não quereres somente o ouro
Encontras quase que ao acaso, mas com esmero
Vais recolhendo pedras, pepitas, tuas gemas
Depois, sem pretensão, lapidas teus achados
Juntas improváveis formas, texturas e cores
Crias valiosos adornos, joias raras
Tu não és só garimpeira
És na verdade hábil joalheira


Pintura: Barbara Harvey Abbott

24 de setembro de 2013

Esfinge

Joga em mim suas palavras
Derrama-as sem o receio e sem pudor
Vem e me devora com sua língua ávida
Escaneia minha alma com seu olhar tranquilo
Perceba-me inteira em seu desejo
Pois, inteira sou quando me entrego


23 de setembro de 2013

Distraída atenção

Se prestares atenção poderás ver o ar
Seus desenhos, curvas, brincadeiras e cores
Se te aquietares um pouco até o sabor sentirás
Suas ardências, picâncias, seu sal e seu mel
Se com atenção estiveres até ouvi-lo conseguirás
Suas óperas, murmúrios, pequenos segredos
Mas, falo de uma atenção distraída
Daquela que os olhos parecem perdidos
E os sentidos atravessam os limites do tempo
Daquela atenção que te leva pra fora
E reconhece lá dentro o espelho do mundo


Pintura: Adelenta

20 de setembro de 2013

Todas as Saudades, todas!

Saudade, muitas vezes, é coisa imperceptível
A gente vai se embrenhando nos afazeres
No que se pensa demasiado importante
Vai seguindo os dias sem atinar nas significâncias
Como que sem lembrar de todas as importâncias
Imensuráveis, inumeráveis relevâncias
Dos sinais que tantas vidas na alma deixaram
Marcas d´água na pele da memória
Selos de cera que abrigam tantas histórias
Daí, sem mais nem menos, um cheiro, uma cor
Uma enevoada imagem, um lapso de sabor, um alô, uma voz
Um vestígio sutil se posta imponente
E daí, nesse instante, a gente se sabe embebido em saudade
A gente sente o que na vida vale de verdade


Pintura: Judy Mackey

19 de setembro de 2013

Arabesco

Depois do silêncio
Introspecção reservada
Palavras em profusão
Avesso do inverso
Arabesco colorido
Espirais de emoções
Coisas que toco, sinto
Presença
Gosto




Polinização

Tem algo que vem de ti que me poliniza
Algo que só teu vento é capaz de fazer chegar
Adiantar a primavera em minha alma poetisa
Nada que se careça tentar explicar
Coisas que me fazem abandonar a mente e só sentir a brisa


18 de setembro de 2013

Arco-íris

Vontade de me colorir de você
Vestir-me com essas cores tão particulares
Que matizam meu sorriso em tons de alegria
Transformam meu humor em arco-íris duradouro


Pintura: Julie Lueders

17 de setembro de 2013

Desobediente

Sou deveras insurgente
Luto pelo que sinto bom
Ainda cultivo rebeldia adolescente
Mas, educada, até peço licença
Paciente sigo, mas tenho pressa
E de repente me percebo desobediente
Ultrapassando as normas que me cerceiam a vida
Virando páginas, reescrevendo livros


Pintura: Mohara Caires

15 de setembro de 2013

Pés fortes

Nada posso fazer quanto à dor
Se ela chega sem pedir licença
Vai entrando e espaçosa se acomodando
Ao sofrimento eu fecho a porta
Aqui ele não mais se instala
Se decido caminhar na brasa ardente
É para ter os pés fortes para seguir em frente


Pintura:Abbie Blackwell

Agora

Tudo que parece bom, quero agora
O oposto eu deixo pra depois
Mesmo sabendo que na vida o bom e o ruim são lei
Mas, que mal há em ansiar o melhor sem demora

Pintura: Carolee Clark

14 de setembro de 2013

Peregrina

Minhas emoções são nômades
E me pedem muita vida
Gostam de conhecer outras paragens
Outros chãos para semear
Outros céus para se abrigar
E vou, assim, com elas peregrinando
Assuntando com os sentidos
Deixando-os me levar aonde eu possa me encantar


Pintura: Julia Swartz

13 de setembro de 2013

Direção

Anda e pára, vai e vem não me faz bem
Decreto agora que à indefinição eu digo não
Essa coisa de gangorra já não me encanta mais
Não que queira coisa reta, mas direção mal nenhum faz





12 de setembro de 2013

Vento forte

Parecia tudo tão perfeito
Mas, meu jardim despetalou
Bateu vento sei lá donde
E a terra desnudou
Veja lá que coisa boa
Que a vida me mostrou
Levou no ar o que eu já tinha
E o possível novo revelou
Vou jogar outras sementes
Mudas do que em mim mudou


Pintura: Matylda Konecka

11 de setembro de 2013

Carteado

Quisera eu tivesse as melhores cartas
Ou quem sabe soubesse blefar
Talvez assim, no meio do jogo, eu pudesse ganhar 
Um piscar disfarçado do teu olhar


Pintura: Martina Shapiro

Margem

Às vezes, sinto-me na mesma margem
N´outras aceno do outro lado do rio
Rio que não conhece estiagem
Sempre corre em busca do mar
Quando afunila, atravesso num passo
Quando alarga, fica amazônico
Outro lado a perder de vista
Fica de um jeito que não dá para atravessar
Quando, então, é prudente apenas de longe olhar



10 de setembro de 2013

Doravante

Doravante só quero dias exuberantes
Daqueles que sobejam em flores
Mas, não me sonegam os bons espinhos
E me inspirem a me querer melhor
O que eu quero são portas abertas
Janelas descortinadas mostrando a vida
Do oposto disso não mais me ocupo


Arte: Howard Mendelson

9 de setembro de 2013

Transformação

Hoje troquei a roupa dos meus medos
Primeiro deixei-os nus 
Sem pressa, coloquei-me a examiná-los
Depois dei-lhes um bom e longo banho
Com cuidado tirei-lhes as velhas marcas
Só então, vesti-os com a roupa da coragem 
E assim, os levei pra ver a vida
Ficaram tão encantados que em flor se transformaram


Pintura: Runjhun Kejriwal

8 de setembro de 2013

Silencioso movimento

De repente o som se escondeu de mim
Tudo fora era silencioso movimento
Eu via que tudo ia
Eu sabia que a vida seguia
Mas, tudo era em preto e branco
Cinema mudo e sem legendas
Mesmo assim, um mar de cores eu sentia
O que desalinho parecia todo sentido fazia 
Por um segundo vivi a mais linda fantasia
Fantasia que arrisco dizer que era a verdadeira alegria


Pintura: Leonid Afremov

Montanha Russa

Tu és montanha russa
Tantas subidas e descidas
Tantas curvas e surpresas
Espaços minimos e vastidão
Emaranhados em profusão
Bom é subir até teu alto
Conhecer tua visão
Depois lançar-me no abismo
Do teu imenso coração


7 de setembro de 2013

Cabelos

As raízes se entrelaçam
Se misturam aos pensamentos
E pra fora se arrepiam
Não entendem pra que tanta indagação
Quanto coisa que se pensa
Sem parar nem por segundos
É tamanha turbulência
Ai, careço distração



Xadrez

Eu não sei jogar xadrez
Mas, conheço algumas peças
E intuo seus papeis
Rei, bispo, torre, cavalo, peão
Em meio a elas o que hoje estou: dama
Vou flanando no tabuleiro bicolor
Procurando um bom lugar pra poder aquietar



6 de setembro de 2013

Intervalo

Existe um pequeno intervalo
Lá os pensamentos se calam
As almas se entregam ao sentir
Um momento, um instante
Piscar d´olhos breve e eterno
Linha tênue, sutil
Invisível rio
Indizível e belo vazio


4 de setembro de 2013

Criança

Tem um monte de crianças dentro de mim
Um falatório recheado de risinhos 
Sem censura soltam a língua por aí
Brincam, correm, fazem algazarra
Volta e meia querem vir ao mundo
Banhar-se ao sol, passear pelos meus dias, 
E quando deixo, resplandeço
Quando deixo, cresço


Pintura: Debbie Miller

3 de setembro de 2013

Solta

Amor é bicho solto
Gosta de rédea não
Vive só se tem ar livre
Campo bom para expandir
Se não tiver, perde o encanto
Desce a ladeira da paixão


2 de setembro de 2013

Haicai

Acho que escrevo haicais expandidos
Só três linhas não dão conta de mim
Sou criatura cheia de não e sim
Rebelde quero mais linhas, mais versos
Quero não me prender ao fim


Pintura: Giovanni Parlato

1 de setembro de 2013

Susto

Sim, eu tenho meus medos e sustos
Temo a expectativa do sim
e não dar conta da entrega
Temo repetir velhos erros
Cegar diante da emoção que me encanta
E deixar que a razão me domine os atos
Temo abrir mão do sonho pra viver o agora
E viver o agora sem saber do futuro
Mas, com as pernas bambas eu sigo adiante
Não há medo no mundo que me afaste do amor


Pintura:Margarita Georgiadis

Sol

Hoje quis que o sol assistisse o nascer do meu dia
Caminhei sob as estrelas que ainda aos meus olhos luziam
Sem pressa subi no alto do morro e quieta lá fiquei
E ele, generoso, pediu às nuvens sutil companhia
Pois, minha grande expectativa ele conhecia
E aos poucos foi aparecendo para encher minha alma de alegria


Foto: Ivana Maria Azevedo Almeida